A Luva Mágica

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Autora: Neyd Montingelli


Vovó Milu estava sentada na poltrona verde quando os gêmeos entram na sala trazendo o enorme livro marrom.

- Vó, lê uma história?

Ela abre um enorme sorriso e o colo aconchegante para abrigar os netos. Os dois sentam um em cada perna com a cabeça no ombro cheiroso da vovó.

- Hoje vou ler a história do Pequeno Polegar! Só uma, depois chega.

A história muito bem contada, com algumas paradas para explicar uma palavra aqui, um lugar ali. Às vezes vovó fazia voz de criança, voz de adulto, até voz de vento ela sabia imitar! As crianças divertiam-se. Terminou e Junior saiu apressado. Parecia que tinha um compromisso.

O quintal da vovó era enorme. Além da horta, com os canteiros de cenouras, tomates, abobrinhas e alface havia uma cerca pintada de branco que separava o quintal de um pequeno bosque. Ele adorava aquele lugar, aquele cheiro de terra, misturado com folhas mortas e vivas.

Andava pelo caminho de cascas de árvores que ele e o vovô Juca haviam arrumado no ano passado. O avô costumava falar igual ao seu pai quando andavam pelo bosque. Muitas vezes Junior tinha que olhar para ver quem era que estava ao seu lado: o pai ou o avô.

Seu lugar preferido era um amontoado de pedras perto da bica. As pedras redondas e coloridas eram fantásticas! Naquele dia as pedras pareciam ter um brilho especial. O que será? O sol talvez? Ele olhou para cima e viu os raios solares passando pelas árvores e seus olhos arderam. Quando abaixou a cabeça começou a ver bolas escuras no ambiente.

- Uau! Que massa!

Sentou na pedra maior e passou a fazer de novo a experiência. Fez tantas vezes que começou a ter tonturas. Abaixou bem a cabeça e assim viu alguma coisa embaixo da pedra grande. Pegou um graveto e fazendo um sulco ao lado, conseguiu puxar o objeto. Era uma luva de couro, estranha, estava suja, cheia de terra e areia. Foi até a bica e lavou bem o seu achado. Ficou surpreso com a descoberta. Conforme lavava, o barro e a areia iam saindo e a luva brilhava com os raios do sol. Onde guardar? Sentado na pedra olhou em volta e nada encontrou. Tirou o tênis e uma de suas meias, colocou a luva dentro. Depois levantou a pedra com dificuldade e fez dali o esconderijo do seu tesouro. O menino estava envolto em uma atmosfera de felicidade. Voltou saltitando pelo caminho de lascas de árvores.

Chegando em casa, mal tirou os sapatos sujos, deslizou pela cerâmica da cozinha com um pé só de meia. Correu ao quarto do avô e pulou na cama fofa.

- Vô, vô, você não vai acreditar! Encontrei uma luva mágica lá na bica! Ela emite raios dourados. Ainda não sei os poderes dela, mas amanhã vou lá ver o que ela faz. Quem será que escondeu a luva vô? Você sabe alguma coisa de uma luva mágica? Se lembrar de alguma coisa, me conte!

Do mesmo jeito que entra correndo e pulando ele sai do quarto, despede-se do avô paralisado na cama, vítima de uma lesão espinhal. Os olhos do homem lacrimejam e pequenos sons guturais são emitidos, mas o menino já está longe.

O sábado amanhece perfeito: ensolarado e quente, convidando as crianças para brincarem ao ar livre. Nem queria tomar café da manhã. Aceitou apenas um pão com queijo.

- Não tenho tempo vó. Hoje tenho muitas coisas para fazer, né vô? O vô sabe. Tenho que desvendar um segredo. Preciso estar preparado.

Junior sorri olhando com cumplicidade para o avô.

Mais tarde ele está sentado na pedra com a luva na mão e fazendo a experiência com os raios solares e a visão novamente. As bolas escuras aparecem e ele se diverte. Fica tonto, o seu coração bate tão forte parecendo que até os passarinhos escutam. Em meio à tontura pela brincadeira, vê a luva brilhar na sua frente e fala emocionado:

- É mágica, eu sei que é mágica.

Um redemoinho de vento faz as folhas secas rodopiarem em volta dos seus pés. Minúsculas borboletas juntam-se às folhas. Ele acompanha o bailado delas distraidamente. Olha para a luva que parece brilhar mais. Ele a solta assustado.

- Ops! Começou a funcionar? O que vai fazer?

A luva agora assume uma forma meio humana, meio infantil, parecendo um desenho animado.

- Que massa você é! Você fala? Como sou burro, não tem cabeça nem boca...

Junior via a luva fazendo gestos.

- Você não vai me dar três desejos? Você é mágica, não é? Nem precisa de tantos, eu só quero um. O meu desejo é grande. Eu só quero ouvir o vô Juca de novo. Eu quero conversar com ele, quero que ele fale do meu pai.

O menino senta-se nas folhas secas, fazendo um ruído gostoso. Seu coração que estava acelerado parecendo um tambor de torcida de futebol, agora estava calmo. Encostou a cabeça na pedra grande e contou para a luva de todas as vezes que veio até aquele lugar com o pai. Quantas vezes andaram por entre as árvores, comeram frutas e conversaram. O pai contava de suas viagens, como motorista de caminhão. Aí aconteceu o acidente e ele perdeu o pai. Quantas lembranças! O nariz começou a fungar e a garganta com um nó. Um vento frio fez as folhas erguerem-se do chão novamente. Desta vez elas não dançaram. Vieram como uma nuvem marrom, parecendo gafanhotos. Junior levou as mãos aos olhos. Agachou-se. Quando o vento acalmou, ele tirou a mão dos olhos e ergueu a cabeça. Estava tudo quieto. A luva pendia sobre as folhas, inerte, sem vida, sem brilho. Que estranho!

Ele guardou a luva dentro da meia e a escondeu de novo sob a pedra e foi para casa, pensando se o que aconteceu era verdade. A porta da cozinha estava aberta e pela janela pode ver o carro do médico. Correu. Jogou o sapato pelo caminho. Na porta do quarto pode escutar o médico falar:

- Vamos ver agora Seu Juca, se sai algum som bonito dessa garganta. Essa foi a última aplicação.

Junior entra e pula na cama ao lado do avô:

- Claro que vai falar né vô? Eu sei que vai. Eu estava lá na bica agora e ... Pode falar vô.

- Ju-ni-or ...meu...ne-to.

- Viu? Eu sabia, eu sabia. Era o meu desejo. Eu sabia que a luva mágica ia atender meu desejo. O vô tinha que voltar a falar para conversar comigo.

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Luiz Amato e ConvidadosOnde histórias criam vida. Descubra agora