Lua Cheia

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Anoitecer de uma sexta-feira.

Todos estavam alvoroçados na aldeia de pescadores. O contador de estórias voltara,

após uma longa temporada no hospital.

Complicações cardíacas e respiratórias quase o haviam levado.

Seu Nordico vivia sozinho havia mais de trinta anos, quando ficara viúvo. Sua idade? Dizia-se que passava dos cem, fácil.

Ele ainda estava fraco, mas queria manter a tradição local. Mandou avisar a todos que se reunissem em volta da varanda de seu casebre. Nesta sexta haveria sessão de contos.

O povo foi chegando. Vinham com vontade de ouvir estórias. Velhas? Repetidas? Não importava. O bom era estar ali.

Quase todos já haviam chegado, quando ele abriu a porta se acomodando na varanda.

O cigarro de palha e o quepe de marinheiro que ganhara havia dezenas de anos estavam presentes. Todos aplaudiram.

Após uma cusparada que quase acertou um vira-lata, ele pigarreou forte:

– Ah! Como é bom estar com vocês aqui de novo – seu olhar correu a multidão, cumprimentando um e outro com um movimento da cabeça.

– Cheguei a pensar que não voltaria. Que as próximas estórias seriam para São Pedro e vários anjinhos.

O povo sorriu.

– Mas graças à reza de todos vocês, eu estou aqui. Obrigado.

Ele se aprumou melhor na cadeira.

As estórias iam sucedendo-se. Grandes pescarias. Homens que achavam tesouros. Amores incompreendidos. Ele obtinha a mais completa atenção.

Interrompendo as narrativas, bebeu um pouco de água, de uma cabaça.

– Quando estava no hospital eu me lembrei de uns fatos:

– Sexta-feira, lua cheia. Vocês sabem que vários perigos os empreitam na escuridão, não sabem? – olhou-os por um momento.

– Homens que viram lobisomens. Ou mortos que saem de suas covas, vingativos.

Os ouvintes se agruparam, como se a pessoa ao lado lhe proporcionasse proteção.

– Bestas mumificadas e bichos feios devoradores de crianças.

Os pequenos estavam agarrados à saia das mães. Olhares fixos assustados.

Nova cusparada, visando o vira-lata.

– E tem as mulheres barbadas que mutilam os maridos. A barba delas cresce tanto em cima como em baixo. Hehehehe.

Sorrisos amarelados eram visíveis.

– Mas não fiquem impressionados. Eles são bonzinhos, perto dos "Cajacus".

Expressões de incompreensão estavam estampadas nos rostos.

– Sim, os "Cajacus". Eu os descobri quando estava no hospital. São homens que, em noites como essa, se transformam em um bicho muito feio, com pés e bico de aves.

O medo estava presente. As mães apertavam os filhos contra o peito.

– Suas vítimas são os moribundos, mas atacam pessoas sadias também. Não tem como escapar.

Deu uma longa baforada. A fumaça subiu em espirais.

– Devoram primeiro sua língua, depois seus olhos. Mas o que eles preferem mesmo são as tripas. É uma bestialidade só.

Nenhum burburinho era ouvido. O silêncio parecia palpável.

– Mas como todos os bichos maus, eles têm um ponto fraco. Fazem muito barulho por causa dos pés iguais aos das aves.

Nesse momento, a porta do casebre bateu. Um vidro da janela caiu, espatifando-se. Fortes ruídos vinham lá de dentro.

– Os "Cajacus" – foi o grito de pavor ouvido na multidão que correu em debandada.

Seu Nordico deu mais uma pitada em seu cigarro – Hehehe. Povo medroso. Nem comecei a falar deles e já saíram correndo.

Com dificuldade levantou-se, entrando no seu casebre.

– Bem, vou dormir.

Passava da meia noite quando ele acordou com o barulho de pés se arrastando.

– De novo? Eu já falei para vocês que a minha língua é dura e ruim. Sou um contador de estórias. Ela já tem muito uso. Vocês não vão gostar. Deixem-me em paz.

Seu Nordico virou de lado e dormiu. Na próxima sexta ele contaria mais estórias.

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Luiz Amato e ConvidadosOnde histórias criam vida. Descubra agora