27 Moedas

62 3 4
                                    

Na cozinha, os gêmeos discutiam:

- Deixa que eu levo o chá do bisa.

- Não, levo eu – retrucou o irmão.

- Cuidado para não derrubar. Vocês nem parecem que já têm vinte anos? Iguais crianças.

Margareth sorriu para a mãe – pode deixar.

Eles adoravam o bisavô. A barba branca. Os óculos de lentes grossas. A touca de lã cobrindo a calva.

- Olha o que trouxemos para você.

- Poxa, muito obrigado – estava em sua cadeira especial, olhando pela janela.

- Eles apareceram? – Entregou a xicara fumegante.

- Não meus amores.

Os dois sentaram-se no chão, sobre um tapete peludo, aconchegante. – Conta de novo?

Ele encarou-lhes, disfarçando à surpresa com o pedido.

- É uma história triste. Acho que não é o dia certo. Têm certeza que querem ouvi-la?

- Sim, queremos.

- Bem, assim seja então – acomodando-se melhor, pigarreou:

- Eu tinha uns nove anos quando tudo começou. Era noite de natal, igual hoje........

"Ele estava de pé, do outro lado da rua, junto a uma árvore. Comia um lanche que havia ganho de um vizinho.

A forma como devorava o sanduiche, me fez perceber que a fome não seria saciada.

Sem pestanejar, corri para a cozinha, enchendo um prato com iguarias que vovó fizera para a ceia. Todos os meus tios, tias e primos divertiam-se à mesa. Meu pai e minha mãe sorriam. Nós éramos uma família grande e feliz.

Com cuidado abri a porta para a rua indo até o homem, oferecendo-lhe a comida. Seus olhos brilharam.

Ele sorriu para mim, mostrando os seus dois únicos dentes, um em cima e o outro embaixo.

- Muito obrigado pequeno cavalheiro – a voz era tranquila.

- De nada senhor – respondi, sem saber o que mais dizer.

- Não ligue para os meus trajes e para a minha aparência. Mas qual é o seu nome?

- Paul, senhor. Paul B. Güillard.

- Muito prazer Paul – apertou a minha mão. – Eu sou Peter Nosallo.

Nesse momento ouvi a minha mãe me chamando. Atravessei a rua, correndo para dentro.

A festa continuou, com a troca de presentes. Eu demorei para dormir.

No outro dia, antes que alguém percebesse, fui buscar o prato. Para meu espanto, tinha uma moeda dentro. Guardei-a

Por dias esperei que ele voltasse, mas nada.

Passaram-se meses. Eu já o esquecerá. A nova comemoração natalina se repetiu. Guloseimas e iguarias da vovó. Todos felizes em volta da mesa, falando sem parar.

Enchi meu prato e fui para a sala. Para o meu espanto, ao olhar pela janela, vi um grande cão, no mesmo local que conhecera Peter. Ele seria todo branco, se não fosse pela mancha preta ovalada sobre o seu olho esquerdo.

Curioso, fui até lá. Para minha surpresa era uma cachorra. Ela olhava o prato em minha mão.

- Você está com fome?

Luiz Amato e ConvidadosOnde histórias criam vida. Descubra agora