Na cozinha, os gêmeos discutiam:
- Deixa que eu levo o chá do bisa.
- Não, levo eu – retrucou o irmão.
- Cuidado para não derrubar. Vocês nem parecem que já têm vinte anos? Iguais crianças.
Margareth sorriu para a mãe – pode deixar.
Eles adoravam o bisavô. A barba branca. Os óculos de lentes grossas. A touca de lã cobrindo a calva.
- Olha o que trouxemos para você.
- Poxa, muito obrigado – estava em sua cadeira especial, olhando pela janela.
- Eles apareceram? – Entregou a xicara fumegante.
- Não meus amores.
Os dois sentaram-se no chão, sobre um tapete peludo, aconchegante. – Conta de novo?
Ele encarou-lhes, disfarçando à surpresa com o pedido.
- É uma história triste. Acho que não é o dia certo. Têm certeza que querem ouvi-la?
- Sim, queremos.
- Bem, assim seja então – acomodando-se melhor, pigarreou:
- Eu tinha uns nove anos quando tudo começou. Era noite de natal, igual hoje........
"Ele estava de pé, do outro lado da rua, junto a uma árvore. Comia um lanche que havia ganho de um vizinho.
A forma como devorava o sanduiche, me fez perceber que a fome não seria saciada.
Sem pestanejar, corri para a cozinha, enchendo um prato com iguarias que vovó fizera para a ceia. Todos os meus tios, tias e primos divertiam-se à mesa. Meu pai e minha mãe sorriam. Nós éramos uma família grande e feliz.
Com cuidado abri a porta para a rua indo até o homem, oferecendo-lhe a comida. Seus olhos brilharam.
Ele sorriu para mim, mostrando os seus dois únicos dentes, um em cima e o outro embaixo.
- Muito obrigado pequeno cavalheiro – a voz era tranquila.
- De nada senhor – respondi, sem saber o que mais dizer.
- Não ligue para os meus trajes e para a minha aparência. Mas qual é o seu nome?
- Paul, senhor. Paul B. Güillard.
- Muito prazer Paul – apertou a minha mão. – Eu sou Peter Nosallo.
Nesse momento ouvi a minha mãe me chamando. Atravessei a rua, correndo para dentro.
A festa continuou, com a troca de presentes. Eu demorei para dormir.
No outro dia, antes que alguém percebesse, fui buscar o prato. Para meu espanto, tinha uma moeda dentro. Guardei-a
Por dias esperei que ele voltasse, mas nada.
Passaram-se meses. Eu já o esquecerá. A nova comemoração natalina se repetiu. Guloseimas e iguarias da vovó. Todos felizes em volta da mesa, falando sem parar.
Enchi meu prato e fui para a sala. Para o meu espanto, ao olhar pela janela, vi um grande cão, no mesmo local que conhecera Peter. Ele seria todo branco, se não fosse pela mancha preta ovalada sobre o seu olho esquerdo.
Curioso, fui até lá. Para minha surpresa era uma cachorra. Ela olhava o prato em minha mão.
- Você está com fome?