Autora: Mylena Araújo
Você já deve ter passado noites em claro, porque simplesmente algum problema tirou o seu sono. Mas por experiência própria, afirmo com total certeza, que nem tudo durante a noite é encantador. Principalmente se for depois da meia noite. A insônia pode ser um inimigo terrível, ainda mais se você começar a perambular pelos cômodos da casa ou contar um número infinito de carneirinhos coloridos em seu quarto e, enquanto está deitado, algo com garras pode sair debaixo da sua cama e agarrar seu calcanhar e te levar para dentro de um buraco escuro e frio.
Jamais insista em querer fechar seus olhos quando não existe motivos para fechá-los, pois Ella pode te encontrar. Não escrevo isso para que tenha medo, mas para que tenha precaução. Ainda mais se tiver crianças em casa. Eu quero apenas o seu bem. E o bem também quer ter um descanso de vez em quando.
Deve estar se perguntando quem é Ella. Na verdade, Ella fora uma jovem camponesa de origem desconhecida, tinha um sotaque esquisito. Muitos diziam que nem era uma língua da terra, mas do próprio demônio. Suas palavras saiam como um sussurro tenebroso, ninguém conseguia entendê-la. Ella tinha um olhar penetrante. Seus olhos eram tão negros que se confundiam com a noite.
Sua silhueta magra se distinguia facilmente nas curvas da luz da lua. O cabelo longo e loiro esvoaçava na brisa do vento congelado da estrada próxima ao Sítio Triunfo de dona Tereza. Uma curva única que tinha um único destino: subir e descer. E era isso que Ella fazia. A jovem mulher subia e descia a colina da estrada todas as noites, exatamente as duas da madrugada. E continuava caminhando, como se procurando por algo em questão. Quem sabe alguém que perdeu? Ninguém nunca soube e jamais saberiam.
Tudo que a acanhada população de Pacoti sabia era que no alto daquela colina, havia uma casa branca destelhada, onde uma velha de pele enrugada morava. Ela era diferente de qualquer idosa que já existiu. Ela tinha uma estranha obsessão por cadáveres de animais. Pendurava um ou dois corpos de gatos na soleira da porta de entrada, alegando afastar o mal. O certo era que a velha conhecia a bela Ella, mas por alguma razão, tinha medo de vê-la pessoalmente. Pois toda vez que a lua estava cheia, a velha se escondia em sua casa sem teto. Quem passava por aquelas bandas, jurava de pés juntos que ouvia o assoalho da casa ranger assustadoramente, mesmo sem ter ninguém para andar sobre ele.
Outros contavam que uma vez ou outra, pegavam a velha de surpresa, bisbilhotando atrás da janela de vidro para ver a moça andarilha passar na frente de sua moradia. Os olhos daquela senhora eram tão brancos que se encarasse o olhar conturbado dela por muito tempo, se via toda a sua vida passar num piscar de olhos. Sim, a velha era cega. Era mesmo! Era, porque ela faleceu a quatorze invernos quando sua amiga imaginária a matou de susto através de um espelho. Fora Ella.
Ella tinha inveja da velha que era amada pelos pais que o espírito jamais teria. Então vingou-se do empecilho, cegou os olhos da velha e a privou de sua voz para que não contasse o segredo nem mesmo a morte. Para muitos daquela cidadezinha interiorana, Amélia morrera de repente, sabe. Sem aviso e nem despedidas. Apenas morreu. Eu detesto contar essas histórias durante a noite – se estiver lendo durante a noite –, mas a única forma de saberem os acontecimentos daquela estrada, apelidada de Rua Cinco por seus moradores, é contar em poucas páginas, o mau agouro que habitou no corpo daquela pobre senhora inofensiva. Bem, nem tanto assim.
Tudo começa aos sete anos de Amélia. Uma criança igual a qualquer outra, alegre e de bastante energia. A pequena adorava brincar no alto da colina ao pôr do sol, levava suas bonecas de pano até uma casa abandonada e lá passava quase o dia inteiro, imaginando uma vila inteirinha de princesas. Os pais dela eram diferentes, acreditavam em uma razão vazia e esse mesmo vazio os cegou diante da ameaça que aprisionou a filha.
Certa vez, esquecendo-se do próprio tempo, Amélia ficara até tarde da noite na colina. Ela nem ao menos percebeu que atrás de suas costas um outro alguém a observava. A menina olhou na direção da estranha sombra e num susto gritou. Ella que não era boba, aproximou-se dela e com um sorriso largo no rosto pálido, disse:
"Não tema pequena, não te farei mal algum."
Amélia sentiu medo no início, mas logo quando viu que a aparição se sentou na terra fria chamando-a para brincar, não recusou tal pedido tentador. Pois o que uma criança gosta é facilmente manipulado. Ella observava a menina enquanto surrupiava um ou dois fios do cabelo sedoso dela, pensando se um dia teria algo parecido. Ela já tivera, aliás. Era um cabelo lindo e loiro. Mas Ella não passava de um poltergeist. E por sua cina, se vingaria de todos que tivesse o que ela perdera. Um lar, uma família... uma vida.
A história desse espírito ocorre desde a emancipação do município de Pacoti no ano de 1890. Não existe fatos escritos que comprovem suas aparições, somente vítimas de sua perturbação. Um evento assombroso que perambula as mentes das famílias. Às vezes quando as luzes se apagam do nada é melhor estarmos prevenidos com uma lanterna ou caixa de fósforos, o ruim mesmo é se até mesmo esses objetos de reservas se apagarem. Ou quem sabe, um filete de água escorre por debaixo da porta do banheiro e, relutantemente, você acaba por espiar, porque sua curiosidade é maior. E acaba dando de cara com uma carranca feia e aterrorizada de uma jovem macabra. Então meu amigo é melhor rezar. Você tem um espírito zombeteiro a sua espreita. Não! Não olhe para trás. Eu sei que está querendo muito fazer isso, mas não faça! Quando terminar de ler este conto, você deve se certificar de trancar todas as portas e janelas, e se afastar o máximo do corredor, onde possivelmente um rosto espreita o escuro.
A questão é que o poltergeist de Ella fora uma jovem que acabou tendo um fim trágico ao sair para pescar com o pai, no lago dos muçus. Um afogamento terrível. Os pais ficaram tão impressionados que se mudaram para a capital, jamais falaram no nome dela de novo. Alguns meses depois, o espírito dela começou a atazanar os forasteiros, lançando pedras nas pessoas que pela estrada passavam. Sempre durante a noite, na mesma hora de sua morte.
Ella poderia perseguir seus passos desde o ponto da Mangueira até a última casa da colina da Rua 5. Os olhos espantados dela desencorajavam a qualquer um, até mesmo a mais teimosa das mulas que puxava as carroças para os arredores do Ouro. Tudo que ela queria era pastorar a casa a qual sentenciou o destino de Amélia, agora, uma velha inofensiva e louca que todos acreditavam estar viva, de fato estava... apenas na mente daqueles que já ouvira a risada de Ella além da colina ou viram seu reflexo no espelho do riacho. Tenha cuidado, amigo. Você será o próximo!