Autora: Neyd Montingelli
Levei minha empregada para ser internada na Maternidade Pública e, enquanto ela era examinada fiquei naquela sala de espera enorme cheia de grávidas, de todos os padrões raciais, tamanhos e com o mais variado guarda-roupa já visto junto na mesma pessoa.
Sentei-me em um banco comprido, ao lado de uma grávida, bem grávida, com um vestido esticado devido ao tamanho da barriga, apesar da estrema magreza. Os cabelos negros encaracolados, insistiam em sair pelos buracos do velho gorro de tricô. Usava um casado de lã que bem deveria ser dado ao totó lá de casa, de tão usado. Ela segurava uma sacola de pano cheia de roupas. A mulher cheirava a cloro e arroz com feijão, mas não à sujeira.
Puxei conversa, pois não consigo ficar sem falar com as pessoas:
- Tudo bem? O seu bebê é para logo?
Uns olhos meigos e esverdeados olharam para mim, estranhando eu conversar com ela, mas já foi falando como se me conhecesse:
- Já passou! Era pra segunda. Eu tava em casa, com as dor e tudo, já tava na cama, o meu filho mais velho o Jofrey, tava me ajudando. Ele tinha esquentado água prá dar banho na bacia, tinha fervido uma tesoura prá cortar o cordão. Até as roupinhas ele arrumou direitinho. Os outros piás tavam bricano lá fora e só a Estefany é que ficava junto, porque é muito pequena e tava muito frio. O Jofrey me ajuda muito a cuidar deles. Ele faz até a comida!
Eu estava ficando nervosa com a história. Parecia que alguma coisa ruim ou muito boa ia acontecer.
-Quantos filhos você tem? Perguntei, pois não consegui identificar nem a idade dela nem como seria a vida dessa mulher.
-Tenho 6 meninos e 2 meninas e mais este aqui que não sei o que é. O Jofrey tem 12 anos e a Estefany tem 2 o resto é pelo meio.
Uma história, uma família dessas e ainda mais um bebê a caminho. Eu queria saber o que havia acontecido naquele dia, na segunda feira:
- Você estava em trabalho de parto na segunda, o que aconteceu? - Ah é, eu tava te contano. Eu tava tendo as dor, já tava bem forte, quando vem a Virginia, a minha filha, correndo lá de fora, gritano, dizendo que o Wesley, de 4 anos tinha sido atropelado e que o osso da perna dele tava aparecendo e cheio de sangue. Eu pensei na hora: esse filho da minha barriga, tá aqui dentro, tá quentinho, guardadinho, pois que fique aí mais um tempo. Nem pensei de novo. Fiz uma força prá dentro e engoli a criança de vorta! Passei a mão lá em baixo e senti tudo fechadinho. Me agachei prá ver se não ia abrir de novo, enfiei duas calcinhas e mais uma calça grossa, um casaco e corri prá ver o meu gordinho lá fora.
Acho que nesta hora a minha boca deveria estar bem aberta, pois a mulher ficou me olhando com um jeito divertido.
- Mas, só assim? As contrações pararam? A bolsa não tinha estourado?
- Não, graças a Deus e a minha Nossa Sinhora né? Senão eu não podia engolir a criança de novo.- Disse ela bem séria.
- E o que você fez depois? - Eu estava ávida pelo resto da história.
- Cheguei lá na rua, estava o meu gordinho berrrano estirado no chão. Sorte que o cara que atropelou ele, já chamou os bombeiros e vieram logo. Eu fui junto dentro da ambulância, esperei até darem pontos e engessarem a perna dele. Sabe que eu nem cólica senti? Acho que eu tava tão danada com o Wesley que nem lembrei desse aqui. Só saímo lá do Pronto Socorro depois das 6 horas. O pai dele foi lá buscá a gente, mas ele foi de bicicreta então nem diantô nada prá mim. Ele levou o Wesley no cesto da bicreta e eu vortei de ônibus. Cheguei em casa quase 8 horas. Coitado do Jofrey, ele tava nervoso sem notícias. Eu tava muito cansada, só dei uma comida para as crianças, soquei tudo mundo na cama e fui dormir. Nem arrumei a bagunça que ficou na casa.
Nisso, a enfermeira chama a mulher e ela entra no consultório, dando um simples tchau para finalizar a emocionante história e eu fiquei ali, tentando digerir estas informações.
Minha empregada sai do consultório e diz que a sua cesárea será no dia seguinte bem cedo. Deixei a mala com a enfermeira e fui embora avisar o marido dela.
No dia seguinte, à tarde, voltei ao Hospital para ver o bebê da minha funcionária e fui perguntar para a enfermeira sobre aquela mulher que engoliu a criança. E qual foi a resposta que recebi?
- Ela está bem. O nenê também. Nasceu ontem mesmo. Foram embora agorinha. Só isso.
Como só isso!
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