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[03 de Setembro de 1944

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[03 de Setembro de 1944. Residência de uma família indigente caída em batalha, Palermo, Sicília, Itália, 4:35 p.m.]

Há dois dias a R.A.F forçou seus pilotos e uma leva de outras equipes secundárias a fazer um posto de checagem de suprimentos improvisado na ilha de Sicília. Significa que estavam encurralados e a única saída era uma parada obrigatória em algum lugar que  a guerra havia pelo menos diminuído o ritmo frenético. Já estavam com várias frentes garantidas, mas onde estavam Milano e os outros pilotos, haviam ficado para trás comendo poeira da Lufftawaffe. Era fazer um pouso forçado no mar ou morrer.

Pelo menos as tropas da Força Expedicionária Brasileira, ou como ele estudou que se chamavam "As cobras que fumam", haviam limpado o terreno pra R.A.B e seus pilotos experientes; eles não iriam tomar um tiro na Itália, não com os brasileiros freneticamente rondando aquelas fronteiras frias e chutando para fora qualquer que seja a ameaça. Como um italiano criado no Reino Unido, Milano achava fascinante como pessoas que moravam do outro lado do mundo interagiam com ele num italiano embolado, um inglês pior ainda mas com um carisma conquistador e um esforço colossal. O lema "É mais fácil ver uma cobra fumando do que o Brasil entrando na guerra" ainda estava em sua cabeça. Mas ele adorava ver os desenhos das cobras fumando bordadas em seus uniformes surrados e sujos. Ao lado de Félix, eles fizeram muita coisa por Milano Montanari.

Em contrapartida, ele não estava nem um pouquinho feliz em voltar pra sua terra natal em uma época tão ruim; só de pensar que iria colocar os pés na Itália de novo suas mãos tremiam e ele travava, mas como era enfrentar sua terra natal ou devolver o Spitfire adaptado que estava em seu uso, ele preferiu dar um jeito de engolir seus traumas e se botar em movimento de novo. Escondeu os fones de ouvido do celular por dentro da camiseta, cobriu o resto dos fios com o cabelo longo, posicionou a jaqueta quentinha como pôde, e aumentou o volume no máximo possível para que ele cobrisse o barulho dos soldados incomodados marchando e soprasse pra longe suas inseguranças. Música ainda acalmava seus nervos aflorados melhor do que qualquer outra coisa.

Milano Montanari desfilava pela vila bonitinha naquela ilha esquecida pela guerra depois de arrancar o exército italiano de lá à base de investidas que gastaram quase todos os suprimentos; com as mãos suadas nos bolsos, Milano observava as ondas do mar sacolejando o navio porta-aviões atracado com um balanço hipnótico. Milano sacudiu a cabeça e afastou os olhos daquele barco que tanto odiava senão iria começar a pensar demais outra vez. A faixa mudou em seus fones, começando a soar as primeiras notas do baixo de uma canção de Redbone. Ele sorriu levemente.

Milano estava tão nervoso que começou a cantarolar mais alto que seus próprios pensamentos invasivos. Aumentou o volume para o máximo, subindo uma ladeira asfaltada à trote que levava até a casinha colorida onde a equipe de mecânicos havia se reunido. Ele adoraria conversar com Giovanni Morrison.

— ...nothing the matter with yer head baby, find it, come on and find it...

Ele fechou os olhos e aproveitou a ruela vazia para acalmar os nervos com uma dancinha, assim como Rosemary costumava fazer quando estava grávida de Renzo. Óbvio, Milano não iria dançar todo feliz como Rosemary fazia, saltar de um pé para outro, girar, correr e pular para cima e para baixo, não: ele estalava os dedos ao ritmo da música e caminhava no mesmo ritmo da batida, cantarolando a plenos pulmões e às vezes sacudia os braços. Ele fechou os olhos para sentir a música alta nos ouvidos e por alguns segundos breves, ele chega a sentir Rosemary ali com ele; não de verdade, como era de se imaginar, ele só se lembrou da noite que descobriram que ela estava grávida. Ela ficou radiante e começou a dançar ao som do rádio da casa dos pais dele enquanto sua mãe Ângela preparava calzones de pizza pro jantar; ele riu lembrando disso e ainda com os olhos fechados, ele deu um pulinho e uma risada esquisita, agora sim imitando Rosemary. Ele sentiu o nervosismo passando pouco a pouco, diminuindo até um nível aceitável. Era como se mesmo a distância Rosemary pudesse fazê-lo se sentir um pouco melhor.

Cidade dos Anjos: O Conto da Rosa e Seus EspinhosOnde histórias criam vida. Descubra agora