23 | Coisas de humano [Parte 2]

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[Dead Rabbit Hole, segundo andar, apartamentos acima do Pub Irlandês. Water Street nº32, Nova York, Estados Unidos da América]
Por Giovanni Santanna Morrison

As coisas não pareciam tão mágicas para Giovanni Morrison depois daquele dia no Rio Volga; é obvio que sim, ele ainda teve contatos com o Ministério de Miguel, que usaram um feitiço de “limpeza” —  que fez seus cabelos, que antes ainda tinham algu...

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As coisas não pareciam tão mágicas para Giovanni Morrison depois daquele dia no Rio Volga; é obvio que sim, ele ainda teve contatos com o Ministério de Miguel, que usaram um feitiço de “limpeza” —  que fez seus cabelos, que antes ainda tinham alguns fios pretos, perderem de vez seu pigmento para a velhice — que doeu até a ponta do dedinho do pé, depois instaurou nele uma juventude mais limpa longe das runas de Félix; mas mesmo assim, tudo que ele queria mesmo era começar do zero: sem julgamentos para ser testemunha sem contas a prestar, sem se esconder por tempo demais e se mudar a cada três ou quatro anos sem mudar de nome ou carteiras de identidade falsa pra se preocupar.

Talvez, uma identidade falsa só já resolveria seu problema. Mas ele faz mais uma, com seu nome verdadeiro, lugar de nascença verdadeiro. Talvez dizer a verdade finalmente traga sorte.

E então, Giovanni finalmente o fez, num lugar totalmente novo, cheio de lugares para se explorar e onde era quase impossível de ser atormentado: Nova York. A selva de pedra onde sempre vai ter algo novo pra conhecer, não importa seu gosto.

E agora, nessa noite escura e sem estrelas, com tempo fechado, já bem tarde, Giovanni ajeita sua touca nos cabelos enquanto o carro encosta no meio-fio da Water Avenue. O letreiro do Dead Rabbit Hole está apagado, o prédio inteiro, silencioso. Nem mesmo o bar que toca jazz está com muito som hoje.

— Até mais! — se despede Giovanni de sua carona, que o deixava na porta da cafeteria; Morrison abriria o portãozinho do lado e subiria para o segundo andar. — Não esquece, Jessie, tem trabalho pra entregar amanhã...

A moça no banco do motorista revira os olhos.

— Esquisiiiito... Amanhã é sábado, bocó! E a data limite é segunda-feira...

Giovanni ajeita a alça da mochila no ombro e conserta sua tão confortável touca de lã na cabeça. Ele a usava a tanto tempo que parecia estranho ser visto sem ela. Agora, depois da faculdade, era curioso tê-la.

— Eu... não quero reprovar esse semestre... — murmurou ele, segurando a alça da mochila com os dedos. — Fiquei de entregar no sábado porque preciso viajar na segunda, o professor deixou. Acho que não vou estar nem nos Estados Unidos nos próximos dias... com todo o problema do julgamento da família Salah’Adin, eu...

Ela bufou.

— Saquei. É foda estar enfiado num caso desses até o pescoço... Até mais, Morrison. Não morra de tédio. E cuidado com o bicho-papão.

Ele trota até a calçada e se despede com um sorriso.

— Até! Valeu pela carona, Jessie.

     Ela arranca com o carro enquanto Giovanni enfia a chave no portão; ele assiste os faróis do sedã desaparecendo ao longe ao virar em uma esquina.

Cidade dos Anjos: O Conto da Rosa e Seus EspinhosOnde histórias criam vida. Descubra agora