2 | Maldito instinto

68 10 63
                                    

[Av. Dmitri, Margens do Rio Volga, Saratov, Rússia. Residência de Misha Popov. 05:34 a.m]
Por Nikita

A rua inteira acordou para ver uma cena que se repetia bastante naqueles bairros mal iluminados e relativamente pouco policiados que acompanhavam as margens do velho Volga; mais uma vez, algo que parecia uma simples briga de bêbados evoluiu para a...

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

A rua inteira acordou para ver uma cena que se repetia bastante naqueles bairros mal iluminados e relativamente pouco policiados que acompanhavam as margens do velho Volga; mais uma vez, algo que parecia uma simples briga de bêbados evoluiu para algo que envolvia armas e olhando mais de perto, uma criança.

Um rapaz com os cabelos desgrenhados e faltando um dente puxa as cobertas de um outro moço mais novo, que cobre o rosto com a mão.

— Nikita! Nikita! Levanta, tá tendo uma briga bem aqui na porta de casa! O velho Popov levou a gente pra lá pra assistir já que não podemos assistir mais televisão!

— Vá se ferrar, Misha. Se eu não estiver brigando, o problema não é meu...

O som de metais retinindo atiçou a curiosidade de um sonolento e irritadiço Nikita.

— Estão brigando em outro idioma, acredita? São gringos... talvez isso interesse a você, hein... soa curioso!

Nikita se senta com o corpo duro, com a cabeça pesando por causa do sono mal dormido, ainda com os cabelos ruivos amarrados em um coque frouxo feito por ele quando foi tomar banho mais cedo com os fios espalhados para todos os lados. Seus olhos verdes ainda estão fechados e seu rosto tem baba seca. Seus olhos estão inchados e vermelhos.

— Vem ver!

Nikita mal tem tempo de calçar as sandálias para evitar o chão frio quando Misha o arrasta pelas escadas, atravessa a cozinha escura ainda apertando seu pulso e chega a um quintal com neve ainda derretendo, formando um gelo escorregadio e perigoso para quem anda no escuro sem botas. A briga se desenvolvia bem pertinho deles, sendo completamente fácil de ouvir o que eles diziam enquanto se ofendiam. Um rapaz de cabelo rosa atacava com um martelo gigante dois outros homens que cuidavam de um menino baixinho.

— Que merda... é a primeira vez que eu vejo uma briga escrota como essa... — murmurou Nikita, olhando por cima da cerca — Aquilo é um martelo gigante...? Porra, não tem armas de fogo? Que porra é essa?

— Olha só! De onde aqueles dois tiraram aquelas merdas?! — cochichou Misha — O cara tem uma lança e um martelo de guerra! Que coisa mais esquisita! Quando eu cheguei pela primeira vez não tinham nada, estavam só correndo.

O vento soprou o capuz de um dos participantes da tal briga, revelando uma cortina de fios cor de cobre exatamente da mesma cor dos cabelos lisos de Nikita, na qual o vento fazia a cruel brincadeira de cobrir o rosto do rapaz metido na confusão. Quando a ventania de cortar os ossos de tão frio passou, a expressão no rosto dele é séria, fechada, mas é extremamente familiar. Nikita agora tem um especial interesse por essa briga porque ele está cansado de ver esse rosto por onde quer que ele vá.

Há quatro anos, este rosto que ele acha que vê nas ruas lhe persegue até o quinto dos infernos em sonhos e em rostos de multidões: claro, a família Kristel é uma família incrível que jamais deixou faltar nada em casa seja com trabalho honesto ou bicos emergenciais para que ninguém morresse de fome, porém, há quatro anos o filho primogênito de oito irmãos fora dado como desaparecido pouco depois de se alistar no exército. Desde então, Roman Kristel está espalhando cartazes de desaparecimento do filho mais velho; nenhum deles nunca desistiu de encontrar Nikolai Kristel... bom, ninguém além de Nikita. Para ele, Nikolai estava morto desde a segunda semana de buscas e não havia mais discussão, não havia mais como explicar a falta desesperadora de notícias, nada pode explicar a ausência do irmão por tanto tempo. Mesmo assim, Nikita ajuda o pai a espalhar os cartazes de pessoa desaparecida todo fim de semana, cada dia mais longe de se obter uma resposta positiva do paradeiro de Nikolai; na verdade, ele só queria evitar de olhar a foto sorridente de seu irmão mais velho para não mais se iludir com essa esperança morta.

Cidade dos Anjos: O Conto da Rosa e Seus EspinhosOnde histórias criam vida. Descubra agora