[Catedrais Ministeriais, quarto de Miguel Saladino. Aproximadamente dois anos atrás]
Miguel ultrapassa o portal giratório contrariado, assustado e pior de tudo, encurralado. Há Celestiais o encarando de todos os lados, dos balcões no corredor de portas que leva aos seus quartos especiais, dos jardins externos, das janelas de Vitrais; os olhos caem nele como se Miguel fosse um ímã atraindo curiosidade alheia. A atmosfera de tensão que se formou pouco a pouco pesa em seus ombros delicados, fazendo-o arfar e às vezes, tossir cuspindo água. Para se manter aquecido, o Exilado se abraçava às roupas de seu amigo e as segurava como se sua vida dependesse disso, ainda procurando pelo cheiro do perfume que Félix tanto gostava.
As vozes em sua cabeça começam a se agitar de novo, começando com os tópicos sussurros que mais tarde Miguel tem a certeza de que irão escalar e se tornar gritos insuportáveis. Palavras que ele não entende começam a circundar sua mente, deixando-o mais e mais acuado. Ele tentou fugir dos sussurros, caminhando, trôpego, com os olhos fechados.
“Você matou uma criança, Saladino... você é um monstro!”
Miguel levantou o olhar procurando o possível culpado por dizer-lhe essa maldade. O corredor da ala que Miguel se encontrava agora está vazio, não há ninguém lá com ele.
— Eu... e-eu só fiz o que vocês mandaram, eu... e-eu... — ele vira a cabeça para outro lado, fechando os olhos com força.
“Tsc, tsc, tsc... não, não, não. Você aprendeu a gostar dessa sensação, não é, Saladino? Gostar de matar, ter o poder de decidir se alguém vai viver ou não mais verá a luz de um amanhã... não é a primeira vez que você mata alguém e se excita com o poder que isso te proporciona, Miguel...”.
— E-Eu não gostei, eu não gosto de nada disso, eu não gosto de matar, eu não...
“Você tem cheiro de morte, Miguel. Você é a morte encarnada!”
Quando o Exilado vai cobrir as orelhas com as mãos tentando desesperadamente calar todos os gritos maldosos em sua cabeça, Miguel sente seus dedos encharcados como se sujos com algo viscoso e pegajoso; um cheiro metálico invadiu suas narinas, fazendo-o finalmente ter um estalo de coragem momentâneo suficiente para fazê-lo encarar suas mãos: seus dedos estão encharcados com sangue. Não somente sangue humano, vermelho e viscoso, mas sim, uma mistura anormal de respingos do Caelite rosa que corre pelas veias Celestiais com o sangue humano. Miguel tenta desesperadamente se limpar, tirar todo aquele sangue de suas mãos, porém quando mais ele se esfrega, mais Miguel se suja; respingos rosados e avermelhados cobrem seu rosto delicado, escorrem por seus braços e gotejam demoradamente no chão como se escorressem através de sua pele, formando uma trilha nojenta que o ligava ao garotinho Renzo, caído no chão. Porém, depois de se levantar, o garoto se afasta dele e desaparece na escuridão como se fosse feito de fumaça. Miguel se vê em uma escuridão total, como se toda a luz da catedral tivesse desaparecido; ele consegue ver ver que seus braços ainda estão sujos.
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Cidade dos Anjos: O Conto da Rosa e Seus Espinhos
FantasyOlá... ainda tem alguém aí fora? Depois dos fatos da falha tentativa de unificação da Rebelião dos Celestiais levantada por Nikiel, o cerco começa a se fechar em torno daqueles que ele jurou proteção, deixando para trás perguntas que a resposta é tã...