Alguma honestidade

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Marília.

Não consegui parar de pensar em Maraisa o dia inteiro.

Felizmente, acho que Noah não percebeu, porque estava ocupado demais comendo um enorme saco de pipoca, dois cachorros-quentes e um refrigerante grande o bastante para encher uma pia. Sentamos na terceira fileira, por isso o ronco dos motores e os fones de ouvido nos impediam de conversar muito. Sem nada para fazer além de ficar ali sentada, não conseguia parar de pensar no rosto de Maraisa quando entrei na sala coletiva, mais cedo. Ela havia ultrapassado o estágio da raiva, agora estava triste.

Caramba, eu sou muito cretina.

Assim que o show acabou, Noah e eu estávamos a caminho do estacionamento, quando o celular vibrou com uma notificação de mensagem.

Cindy.

Fazia tempo que eu não pensava nesse nome. Nosso último contato aconteceu meses atrás. Cindy era comissária de voo, e eu a conheci em uma viagem de negócios no ano passado. Ela morava na Costa Leste, e nós saímos algumas vezes, duas quando eu estava na cidade de Nova York e uma quando ela estava aqui. Aparentemente, ela estaria na cidade hoje à noite fazendo uma escala inesperada e queria saber se eu podia sair. Sair significava um jantar rápido e depois entrar no quarto de hotel onde ela estava e passar a noite lá.

Acho que era exatamente do que eu precisava.

Diversão certa.

Simples. Sem complicações.

Alívio para algumas frustrações acumuladas.

Mas guardei o celular no bolso e não respondi à mensagem de imediato.

Ligaria para ela depois de deixar Noah em casa.

Mas, depois que o deixei, decidi que precisava resolver uma coisa antes de fazer planos com Cindy para mais tarde. Eu devia um pedido de desculpas a Maraisa, e isso tinha que preceder a diversão. Então, fui para o escritório. Eram quase cinco horas, e eu não sabia se ela ainda estava lá. Provavelmente, havia chegado cedo para fazer o dia render. Afinal, era sábado. Mas fui para lá assim mesmo.

A região em torno do escritório era comercial e se tornava uma cidade fantasma nos fins de semana, ainda mais à noite. Então, quanto mais eu me aproximava, e quanto mais vagas de estacionamento via, mais tinha certeza de que não a encontraria no escritório. Até entrar na rua do prédio e ver um carro solitário no estacionamento, um carro exatamente igual ao meu.

As luzes estavam apagadas na recepção, mas o sensor de movimento acendeu tudo. Algumas pessoas tinham estado ali trabalhando em vários departamentos mais cedo, mas agora todo o andar parecia vazio. As salas estavam escuras, ou com a porta fechada.

Exceto uma.

A luz que passava por uma porta aberta iluminava o carpete no fim do corredor. Mas só ouvi algum barulho quando estava a duas portas dessa sala.

Parei onde estava e ouvi uma voz. Levei alguns segundos para entender que era de Maraisa. Ela estava... cantando. Era uma música country vagamente familiar, uma canção que eu tinha escutado algumas vezes e falava sobre perder um cachorro e melhor amigo. A voz dela era boa, doce como a de um anjo, com um vibrato ameaçando acontecer. Aquilo me fez sorrir.

Queria ouvir mais, mas a curiosidade para vê-la cantando era ainda maior. Então, dei mais alguns passos até me aproximar da porta da sala.

Maraisa estava de cabeça baixa, com o nariz enfiado em um arquivo de pastas e fios descendo do fone de ouvido. Ela não percebeu minha presença de imediato. Eu só enxergava seu perfil, mas era uma chance breve para observá-la. E fiquei impressionada com sua beleza.

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