Algumas coisas nunca mudam

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Point of View Marília.

— Está atrasada.

Olhei para o relógio.

— É só meio-dia e três. O quatrocentos e cinco teve um problema.

Eliane apontou o dedo torto de artrite para mim.

— Não vai trazê-lo de volta tarde só porque não conseguiu chegar aqui na hora.

Mordi a língua, engolindo o que realmente queria dizer e trocando por:

— Sim, senhora.

Ela me olhou desconfiada, sem saber se minha resposta era condescendente ou se eu estava de fato me comportando de maneira respeitosa. Mas a segunda opção era impossível, porque é preciso ter respeito por uma pessoa para poder demonstrá-lo.

Ficamos na varanda da casinha onde ela morava, olhando uma para a outra. Olhei para a janela, mas a persiana estava fechada.

— Ele está pronto?

A mulher estendeu a mão aberta. Eu devia ter percebido qual era o empecilho. Enfiei a mão no bolso da calça jeans e peguei o cheque, o mesmo valor que pagava todo primeiro sábado do mês há oito anos para poder passar um tempo com meu afilhado.

Ela examinou o cheque como se eu pudesse tentar algum tipo de golpe, depois o guardou no sutiã. Meus olhos ardiam por ter visto acidentalmente uma porção de colo enrugado.

Ela se afastou para o lado.

— Está no quarto dele, de castigo a manhã toda por ter a boca tão suja. Acho bom que não tenha aprendido esse vocabulário com você.

É. É bem capaz que tenha sido isso. São as cinco horas por semana comigo que estragam o garoto. Não é o bêbado do seu quarto ou quinto marido - perdi as contas - caipira que grita "cala a porra da boca" pelo menos duas vezes durante os cinco minutos que passo aqui, quando venho buscar e trazer o menino.

Os olhos de Noah brilharam quando abri a porta do quarto. Ele pulou da cama.

— Maríliaaa! Você veio!

— É claro que vim. Eu não perderia nosso encontro. Você sabe disso.

— Vovó falou que você podia não querer mais ficar comigo, porque eu sou podre.

Isso fez meu sangue ferver. Ela não tinha o direito de usar minhas visitas como tática para amedrontar o garoto.

Sentei-me em sua cama para poder encará-lo.

— Em primeiro lugar, você não é podre. Em segundo, nunca vou deixar de visitá-lo. Por qualquer motivo que seja.

Ele abaixou a cabeça.

— Noah?

Esperei até ele olhar para mim de novo.

— Nunca. Ok, parceiro?

Ele assentiu, mas eu não tinha certeza de que acreditava em mim.

— Vamos nessa. Vamos sair daqui. Temos um dia lindo pela frente. — Isso iluminou os olhos dele.

— Espere aí. Preciso fazer uma coisa.

Ele enfiou a mão embaixo do travesseiro, pegou alguns livros e abriu a mochila. Pensei que estivesse guardando o material da escola, até ver a capa do livro no topo da pilha na mão dele.

Fiquei intrigada.

— Que livro é esse?

Noah me mostrou o volume.

Irresistível | G!POnde histórias criam vida. Descubra agora