Não tive essa sorte

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Marília.

Eu tinha a sensação de que uma banda marcial havia se instalado dentro da minha cabeça.

O latejar surdo se transformava em uma jam session de percussão completa cada vez que eu tentava levantar a cabeça do travesseiro.

Que diabo eu bebi ontem à noite?

E que horas são?

Tateei a mesinha de cabeceira procurando o celular, mas ele não estava lá. Virei de lado, abri um olho e vi um raio de luz entrando pelas frestas da persiana.

Meu Deus. Protegi os olhos. Isso dói.

Fiz um esforço para sair da cama, fui ao banheiro e peguei três comprimidos de analgésico do armário de remédios. Engoli tudo sem água. Quando estava voltando, encontrei o celular no chão do banheiro, ao lado das roupas que usei no dia anterior.

São oito horas e quarenta e cinco. Merda. Eu tinha que voar para o escritório. Mas voltei para a cama. O analgésico precisava fazer efeito para eu poder ir a algum lugar.

Destravei a tela do celular pensando em mandar um e-mail avisando Jake de que ia me atrasar, mas vi que tinha perdido várias ligações.

Duas da Eliane hoje de manhã e três da Maraisa ontem à noite.

O que a Eliane quer? Nunca era coisa boa, quando ela ligava.

Eu estava quase ignorando as notificações quando fragmentos da noite passada começaram a voltar aos poucos.

Uísque demais. Uber.

Apareci na casa do Noah e choraminguei para a Eliane.

Liguei para a Maraisa da calçada na frente da casa da Eliane.

Fechei os olhos. Jesus Cristo.

Eu a tinha acordado para me desculpar.

E para dizer que ela era linda.

E inteligente.

E divertida.

E...

Que eu queria transar com ela usando chapéu de caubói e salto alto desde a primeira vez que a vi entrar no meu escritório rebolando aquela bundinha sexy.

Cacete.

Passei alguns minutos respirando fundo, tentando relaxar, mas não funcionou, e retornei a ligação perdida de Maraisa.

Precisava pedir desculpas a ela antes de lidar com a Eliane.

Ela atendeu no primeiro toque.

— Como se sente nesta linda manhã?

Gemi.

— Como se um rolo compressor tivesse passado por cima de mim, e o filho da mãe se recusou a dar ré e terminar o serviço.

Ela riu.

— Bom, fico feliz por estar bem. Estava começando a me preocupar. Imaginei que não teria disposição para a corrida matinal, mas nove horas equivalem a meio-dia para você.

— É. — Passei a mão no rosto. — Escuta. Desculpe por ontem à noite.

— Tudo bem. Nenhum problema. Fui à sua casa sem avisar para transar na semana passada. Você adquiriu o direito de me ligar bêbada uma ou duas vezes.

Esbocei um sorriso.

— Obrigada. Pode me fazer um favor e avisar o Jake que vou chegar mais tarde? Diz que estou trabalhando em casa para terminar a apresentação da Star ou alguma coisa assim.

— É claro.

— Obrigada.

Depois que desliguei, ouvi a mensagem de voz que Eliane tinha deixado. Não me surpreendi ao constatar que ela não era tão compreensiva quanto Maraisa parecia ser. Mas eu precisava resolver isso de uma vez. Por isso, retornei a ligação torcendo para ela não atender.

Não tive essa sorte.

Eliane falou por uns cinco minutos sem parar nem para respirar.

Fechei os olhos.

— Eu o acordei?

— É claro que sim. E, pelo jeito, o espertinho ficou ouvindo. Queria saber o que você fez de errado, por que estava se desculpando.

Merda.

— O que disse a ele?

— Disse para ele voltar para a cama e prometi que conversaríamos sobre isso hoje, depois da aula.

— Não pode ser assim, Eliane. Não é você que tem que falar com ele. Noah precisa saber por mim.

— Nesse caso, acho que vai ter que conversar com ele em breve.

Passei os dedos pelo cabelo.

— Ele é muito novo. Vai ser doloroso demais.

— Devia ter pensado nisso há oito anos, não acha? Talvez tivesse prestado mais atenção.

— Eliane...

— Vou avisar que você vai conversar com ele no próximo fim de semana em que se encontrarem.

— Mas...

Ela interrompeu de novo.

— E, se não falar, eu falo.

E desligou.

Irresistível | G!POnde histórias criam vida. Descubra agora