Prólogo

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A primeira hora do novo trabalho de Bobby Greywood se iniciou, E, com ela, a sua última hora de vida. Ele encostou-se na moto que o restaurante fornecia para que as entregas fossem feitas, puxou uma carteira de cigarros e olhou para dentro do estabelecimento. Estava deserto. Virou-se para a rua e observou a chuva cair enquanto acendia o cigarro. "Droga de chuva! Desse jeito, não vai ter nenhum pedido de entrega", pensou ele, dando um trago, depois soltou uma nuvem espessa de fumaça.

Quase como uma confirmação ao que acabara de pensar, a chuva ficou mais forte, e raios desenharam veias no céu escuro. Bobby guardou o isqueiro no bolso de sua jaqueta de couro e puxou o zíper mais para cima, protegendo-se do frio.

A única movimentação na rua era a dos carros que passavam nos dois sentidos à sua frente, a maioria fazendo a água de uma poça cair quase em seu tênis surrado por conta da velocidade com a qual passavam. Ele olhou para o relógio, e a esperança começou a abandoná-lo.

- Novato! - gritou uma das funcionárias, dentro do restaurante, e ele se agitou. Deu um último trago no cigarro, jogou-o na chuva e correu até a porta. - Tem um pedido para a Charity Street, número cinco.

Bobby olhou para as mãos da jovem, mas tudo o que ela segurava era uma garrafa de suco. "Sério que o primeiro pedido é só uma garrafa de suco?" Ele coçou a testa, achando que fosse alguma brincadeira. Contudo, a jovem lhe entregou a garrafa e deu as costas, retornando para o seu joguinho de celular.

Não era brincadeira. "Vamos lá, então!", pensou ele, indo até a moto e colocando a garrafa no baú. Olhou para a chuva. Nem sinal de que ela tinha intenção de parar. Subiu na moto, colocou o capacete e mergulhou sob a cascata que castigava a cidade.

Enxergar debaixo de toda aquela chuva era uma tarefa difícil. Por duas vezes, teve que desviar de dois motoristas que não respeitaram às placas de "Pare". Bobby Greywood parou a moto sob uma marquise, tirou o papel com o endereço e verificou se não errara o caminho. Desceu da moto, tirou o capacete e andou até a frente de uma casa. Não podia ser aquela casa, estava tudo apagado. Pegou o celular e ligou para o restaurante.

- Tem certeza que é este o endereço? - perguntou Bobby, analisando a entrada do local.

A mulher ao telefone soltou uma longa lufada de ar pela boca, e Bobby pôde vê-la revirando os olhos do outro lado da linha.

- Sim - disse ela e desligou.

Bobby ergueu as sobrancelhas, admirado com a "simpatia" da sua colega de trabalho, depois guardou o celular. Caminhou até o baú da moto e pegou a garrafa. Ergueu a cabeça para olhar para a casa, e o estrondo de um trovão o fez encolher os ombros. Junto com o clarão que iluminou todo o quintal, surgiu uma luz acesa em uma das janelas.

Bobby tateou o bolso da calça de couro e sentiu a máquina de cartão. Olhou para trás e viu as luzes das casas vizinhas acesas. Virou-se para tocar a campainha, e seu coração quase saltou pela boca quando outro trovão revelou um homem de cabelo loiro, quase branco, parado à sua frente.

- Puta merda, cara! - disse Bobby, nervoso. A garrafa de suco tremia em sua mão. - Você quase me matou.

O homem deu um leve sorriso, e Bobby notou um brilho percorrer aquele par de faróis azuis que o estudava. O homem olhou por cima do ombro de Bobby e depois deu um passo para trás, fazendo um gesto para que ele entrasse.

- Perdão - disse ele, com o sotaque carregado. - Não era a minha intenção assustar você. Entra, por favor. Eu ainda estou tirando as coisas das caixas, mas, em um minuto, eu encontro a minha carteira.

Bobby espiou o interior da casa, e caixas de papelão estavam dispostas pela sala. Algo dizia para ele recusar e aguardar ali mesmo. Fitou, mais uma vez, a rua, mas não havia ninguém. Um vento gelado arrepiou os pêlos de sua nuca.

- Entra - repetiu o homem, fazendo Bobby voltar a encará-lo. - Eu insisto.

Os olhos do homem não se desgrudavam dos olhos de Bobby. Um arrepio subiu pela espinha do entregador, e ele percebeu que a pele do homem era tão alva quanto seus fios de cabelo. No entanto, não o deixava com uma aparência doente. Pelo contrário, tornava sua beleza quase um insulto.

Bobby queria recuar, mas suas pernas não lhe obedeciam. Deu o primeiro passo adiante, e o sorriso do homem se alargou. Mais um passo, e a porta já estava fechada às suas costas.

- Só um segundo. Fica à vontade. Vou procurar a minha carteira. - A última palavra entregou de onde o homem era. O jeito como ele pronunciava o "R" era característico do sotaque Russo.

Bobby anuiu e já nem lembrava mais da garrafa em sua mão. Algo no olhar daquele homem lhe causava tanto medo, que perturbava suas faculdades mentais. O homem lhe deu as costas e saiu com passos tão leves que Bobby jurou que se não o estivesse vendo pisar no assoalho da casa, diria que ele flutuava.

Com a saída do homem, Bobby voltou à sua consciência e colocou a garrafa de suco sobre uma mesinha, abaixo de um largo espelho de parede à sua esquerda. Puxou a nota do pedido e a máquina de cartão. Olhou seu reflexo no espelho e se sentiu um pouco ridículo, pois ainda estava com o olhar assustado.

Observou seus tênis surrados e deu um salto para o lado quando viu que os sapatos do homem estavam diante de si. "O quê? Como ele...?"

Bobby ergueu a cabeça e olhou para o homem, que sorria de forma sedutora e medonha. Ele teria percebido o homem se aproximar pelo reflexo do espelho. Conferiu o espelho, mais uma vez se achando ridículo. Aquele tipo de coisa não existia.

Respirou mais aliviado quando confirmou que o reflexo do homem fazia-se presente ao seu lado.

- Algum problema? - disse o homem, com o cartão na mão.

Bobby deu um riso nervoso e sacudiu a cabeça. A pergunta que o deixava encucado veio à sua mente. Olhou para a garrafa de suco e voltou o olhar para o homem que agora observava seu pescoço. Recebeu o cartão da mão do homem e sentiu algo metálico em um de seus dedos. Um dedal com uma garra afiada que o fez pensar na garra de um gavião.

- Sem querer me meter - disse Bobby, digitando o preço na máquina. -, mas por que não pediu nada pra comer?

O homem deu um riso que assustou Bobby.

- Porque a comida já me traria o suco.

Bobby arregalou os olhos. Ao erguer a cabeça,viu as presas afiadas no sorriso psicopata do homem, se é que aquilo pudesse mesmo ser chamado assim. Bobby piscou e deu um passo para trás, mas a criatura desapareceu da sua frente, e Bobby sentiu a respiração atrás de si.

Bobby abriu a boca para gritar por socorro, porém a chuva estava tão intensa e com raios tão furiosos, que seria impossível escutá-lo do lado de fora.

A mão da criatura percorreu sua barriga até agarrar seu rosto, então a garra rasgou-lhe a pele. Uma gota de sangue se transformou em uma linha quente e escarlate que pintou um caminho até seu maxilar.

Bobby tentou respirar, mas o pânico havia removido todo o ar de seus pulmões.

A pele fria como a de um cadáver se afastou de seu rosto, e Bobby correu para o canto da escada. Levando a ponta da garra ensanguentada à boca, o homem disse:

- Eu quase tinha me esquecido como a comida de Doom's Ville é boa. - O homem deu um passo na direção de Bobby, carregando no olhar um prazer sádico quase animal.

Bobby tentou implorar por sua vida, mas tudo que saiu de sua boca foram palavras emboladas. Juntou toda concentração para formular um grito de socorro, mas, com um salto, o homem o derrubou sobre a escada com uma força tão absurda que quebrou-lhe a coluna com o impacto contra os degraus.

Parada sobre Bobby, que chorava, degustando o acre sabor da morte, a criatura disse:

- Não é pessoal. É que eu amo a comida Americana - O homem cravou as presas no pescoço de Bobby, dilacerando, com a facilidade que uma faca corta o vento, a pele que em algumas horas estaria tão fria quanto a sua.

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Thiago: Oi! Está curtindo a história?

Então vota no capítulo antes de ir para o prócimo, pls. Isto ajuda a me manter motivado a continuar postando e também é uma forma de saber se estão gostando.
Obrigado por ter lido até aqui. <3

A eternidade mordeOnde histórias criam vida. Descubra agora