Cadela - Camren GIP

Capítulo 01

POV CAMILA

Já passava um pouco das seis horas da manhã quando saí de casa devidamente agasalhada. A calça legging preta bem justa e peluciada por dentro, além de realçar meu traseiro, serviria para me manter aquecida ao longo do dia, junto com a blusa de lã e o sobretudo, além de um par de botas de montaria, luvas e touca.

Assim que pisei na calçada, olhei para cima e mirei o céu cinzento franzindo a testa. Há quase um mês o sol não dava as caras na capital paranaense e, para variar, o tempo estava chuvoso e frio — Suspirei — Nunca fui de reclamar, mas bem que a chuva poderia dar uma trégua hoje. Pelo menos na hora da surpresinha que nós, do Diretório Acadêmico, preparamos para aquele rato, projeto de reitor da Universidade.

Mas, parece que São Pedro não estava do meu lado. Assim que concluí minha prece, um clarão iluminou o céu e a chuva, que antes era uma garoa fina, se intensificou e um sopro de ar gelado atingiu meu rosto, deixando a ponta do meu nariz congelada.

Fechei meu sobretudo na tentativa de me aquecer. Apesar de ter nascido no sul do Brasil, nunca consegui me acostumar às baixas temperaturas. Segurei firme na alça da mochila e com a outra mão abri meu guarda-chuva amarelo. Caminhei com passos lentos e preguiçosos em direção ao ponto de ônibus perto da república em que eu morava junto com minhas amigas, Norminha e Garibaldina, ou melhor dizendo, Dina — se ela me ouvir chamá-la assim, meu fígado vira petisco para cachorro.

Quando fiz dezoito anos e concluí o ensino médio, por insistência dos meus pais, me mudei para Curitiba para cursar direito na mesma universidade em que eles se formaram. Ambos haviam estudado na renomada Universidade Federal do Largo da Ordem e se conheceram nos corredores por onde eu agora transitava.

Meu pai, Alexandre Cabello, formou-se primeiro e logo depois ingressou no serviço público, no cargo de Delegado de Polícia. Minha mãe, Sinu, seguiu os passos do marido e também fez carreira na polícia, mas ocupando o cargo de escrivã.

Apesar de terem tido três filhos, apenas eu, a mais nova, quis seguir a carreira dos pais. Meus irmãos, Augusto e Jessé optaram pela medicina veterinária. Eles também passaram no vestibular e ingressaram em universidades públicas e apesar de meus pais terem uma certa estabilidade financeira, não era fácil manter três filhos estudando em cidades diferentes ao mesmo tempo.

Para ajudar nas despesas, me candidatei à vaga de estágio no Fórum. Graças às minhas notas altas e algumas cartas de recomendação dos professores, além das minhas atividades como voluntária no Núcleo de Práticas Jurídicas da Universidade e minha participação no Diretório Acadêmico, fui chamada para ocupar a vaga de estagiária na prestigiada Vara Criminal de Curitiba.

Basicamente minha função é receber os processos eletrônicos autuados no sistema da justiça, chamado Eproc, e direcioná-los para os servidores responsáveis por cada fase processual, além de escrever alguns despachos e decisões padrões, que depois de serem conferidos são assinados pela juíza responsável pela Vara, a Excelentíssima Senhora Doutora Juíza de Direito Lauren Michele Jauregui Morgado.

Embora eu trabalhasse no seu gabinete, tinha a sensação de que a Doutora Lauren, como fazia questão de ser chamada, não me notava, pois nunca me direcionou mais do que alguns cumprimentos formais. Ela é uma pessoa bastante reservada e apenas Allycia, sua assessora, tinha alguma intimidade com ela.

Ao contrário da chefe, Allycia, ou simplesmente Ally, como todos a chamavam, tem um sorriso doce e está sempre disponível, disposta a ajudar e conversar com todos. Eu soube que a loirinha já poderia estar aposentada, mas se recusa a deixar o cargo e diz que ninguém conseguiria entender a doutora Lauren como ela. Desde quando Lauren tomou posse como juíza, Ally é a sua assessora e a acompanhou por todas as entrâncias pelas quais ela passou. Eu sempre gostei muito de Ally, mas, confesso que Lauren me dava calafrios.