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Obedecer
verbo transitivo indireto
submeter-se à vontade de outrem.

Exatamente às seis horas da manhã o despertador programado no relógio digital tocou. Mal passaram dez segundos e Wednesday levantou da cama para desligá-lo e pegar a roupa, separada no dia anterior, iniciando as primeiras tarefas diárias: higienes matinais e organização básica do quarto. Quando finalizou, por volta das seis e meia, desceu para tomar café da manhã. Por sorte —é o que ela gosta de pensar— seus pais ainda estavam em casa, então aproveitou a carona até a faculdade.

Clínica Médica II; Clínica Cirúrgica; Farmacologia Aplicada II; Doenças Infecciosas, Parasitárias e Dermatologia... tudo aquilo soava como uma tremenda chatice para Wednesday. Ela preferia estar estudando Teoria da Literatura, Morfossintaxe, Linguística, Prática de Leitura e Produção de textos ou quaisquer outras matérias que tivessem relação com suas maiores paixões: Livros, idiomas, como funciona a comunicação. A mente e comportamentos humanos sempre foram os seus maiores interesses —tanto que ela gosta das aulas de Psiquiatria e às vezes de Pediatria— mas quando dissera isso aos pais, repentinamente, em um jantar, logo sugeriram que cursasse Psicologia. Dois meses depois, imploraram para que mudasse de ideia e escolhesse Medicina, por "ficarem com medo de não ser rentável o suficiente", visto que "ela dependeria de nomenclatura".

Nunca chegaram perto de imaginar que Wednesday queria ter dito Letras naquela noite.

Respirando fundo, ela se apegava ao fato de que apenas estar ali já fazia os seus pais extremamente felizes. Não perguntavam muito do seu desempenho desde que saíra do Ensino Médio. Ademais, estava no final do nono semestre. Os próximos seriam de estágios, práticas e fim, estaria livre —apesar dela não saber exatamente o que isso significa.

Com os pensamentos turbulentos, a garota de olhos castanhos sorriu genuinamente pela primeira vez no dia quando o professor encerrou a aula uma hora mais cedo. Assim, posteriormente, pode almoçar com calma e até estudar um pouco. Não que precisasse com urgência, felizmente nunca tivera muita dificuldade com as disciplinas, mesmo com falta de apreço. Em contrapartida, gostava de adquirir conhecimento. Estava acostumada com linguagem acadêmica, os nomes atípicos quase faziam sentido.

Por volta das duas da tarde, fechou os livros e foi para o trabalho, que era perto. Prática, papéis, céus parecia que o dia nunca acabava. Não que Wednesday se sentisse motivada para os próximos, quase iguais, porém estar em casa concedia um diferencial, além do sossego e conforto: Ela escrevia. Quantas vezes passavam das duas da manhã, nos finais de semana, e ela estava boba por uma narrativa que julgava estar bem construída. Ou um poema profundo; uma descrição precisa; uma argumentação digna de palmas; uma injunção que convenceria até o mais teimoso, modéstia parte. Ademais, ela lia. Aventureira de temas, para não chamar do clichê eclética. Conseguia visualizar a história se desenvolvendo quando olhava para o teto do quarto, com as páginas abertas ou fechadas, e mal percebia o tempo passar.

Nesse sentido, mesmo que estivesse exausta ao chegar em casa, animou-se. Ainda eram sete horas da noite, o que significava que estaria sozinha por cerca de uma hora, pois seus pais estavam fora —culpa do trabalho, jantares importantes, ela não se preocupava muito em perguntar.

Após um sagrado banho gelado, sentou-se na sua escrivaninha, abriu o notebook e começou a escrever. Costumava não prender-se em apenas uma coisa de cada vez, escrevia o que vinha a mente, o que tinha vontade. Era levada por sua mente, suas projeções, pelos seus sentimentos. Resultado? Quando menos esperava, estavam lá: Pelo menos cinco notas abertas ao mesmo tempo.

E estava tão concentrada, imersa em seus próprios universos paralelos, que deu um pulo quando escutou três batidas leves na porta do seu quarto.

— Já vou! —Exclamou enquanto fechava o notebook repentinamente e colocou um caderno no lugar— Oi, papai —Cumprimentou assim que o viu.

— Como vai, querida? —Questionou por hábito, não esperando exatamente uma resposta detalhada, e a filha assentiu, sabendo disso— Trouxemos o jantar.

— Ótimo! —Disse e já saiu, fechando a porta atrás de si— Estou com fome —Justificou o ato estranho e o homem acreditou, para o alívio dela.

No entanto, quando o assunto era os seus pais, o maior erro de Wednesday era comemorar antes da hora. E digo isso porque, assim que chegou na sala de jantar, lá estava ele: Joel, com um buquê de flores imenso nas mãos.

— Surpresa! —O namorado exclamou enquanto sorria.

— Convidamos o Joel pra passar a noite com você! —Morticia avisou antes que ela pudesse ter qualquer reação, a qual foi a mesma de sempre: Forçar felicidade. Satisfazer o ego alheio.

Às vezes ela gostaria de estar genuinamente contente com isso. Tudo isso. Não teria motivo para o contrário, teoricamente. Carinho era bom, mas o perdia se saísse dos trilhos. Namorar seria bom, se fosse com alguém que gostasse. Medicina deveria ser inspirador, para alguém que queira ser o herói.

Ela queria escrevê-lo.

Mas estava presa em uma teia de fingimentos. De personagens, no modo ruim da palavra. Wednesday sabia que apenas obedecia o tempo todo, o que a indignava, mas era tão automático que via-se como um trem: Seguindo trilhos, em uma rota de linha reta. E mais do que isso, sentia-se isenta de freios, opções e o mínimo de aventura.

— Ótimo —Foi o que conseguiu dizer— Agradeço pela surpresa.

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Olá, seres! Sejam bem-vindos.

O que acharam?

What was I made for? • WenclairOnde histórias criam vida. Descubra agora