7.

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Controle
substantivo masculino
ato ou efeito de controlar(-se).

— Conversei com o seu psiquiatra. Ele disse que te receitou dois remédios, não um.

Enid suspirou, endireitando a postura na poltrona do consultório.

— Ainda não acho que o diário seja necessário. E só tomo o outro em caso de emergência.

— Enid, você mesma disse que tá dormindo mal, sentindo tremores...

— Mas tendo poucas crises comparado a antes —Interrompeu.

— O que seria isso? Duas vezes na semana? —Questionou mesmo tendo quase certeza de que a resposta era negativa.

— Três, praticamente. Semana passada foram quatro mas não conta. Tive problemas no trabalho.

A profissional anotou tentando soar o mais imparcial possível.

— Não acha que é válido você regular a sua rotina de medicações? Decidir se quer ou não seguir com eles. Interrupções, doses incorretas... nada disso faz bem ao tratamento. Às vezes só piora.

— Os benefícios são tentadores mas eu não tenho como arcar com essas dívidas esse mês. Talvez nem o próximo.

— Eu olhei a receita com calma e tenho aqui de amostra se você realmente quiser. Caso contrário, cogite a suspensão geral.

Sabendo que a outra mulher aguardaria pacientemente, a Sinclair tomou um momento para refletir. Ela conseguia lidar com tudo o que estava passando? Claro, se chegara até aqui poderia enfrentar qualquer desafio. Certamente a pior parte já havia passado. No entanto, teria qualidade de vida ao seguir sem nenhum dos remédios e apenas uma sessão de terapia por semana? No momento, não. Ela sobreviveria nas sombras, ao pé do abismo, até que nada restasse. Somente de pensar nos momentos em que o ar não era suficiente, os tremores, o medo persistente e incessante, não parecia uma decisão difícil. Era, na verdade, lógica.

— Certo. Aceito, se isso não for prejudicar você.

— Eles estão aqui por um motivo, não se preocupe —Argumentou enquanto se levantava e seguia até um armário de madeira branca no canto da sala— Olha que sorte! Encontrei uma fechada.

— Ótimo —Tentou ser otimista enquanto segurava a caixinha.

Sertralina, 30 comprimidos de 100 mg.

— Você vai começar tomando metade da metade de um comprimido, que seriam vinte e cinco miligramas, todos os dias durante uma semana. Pro seu organismo ir se acostumando. Na próxima, aumente para cinquenta miligramas, ou seja, metade. Na terceira semana, um inteiro.

— Quanto tempo até fazer efeito?

— Varia de organismo pra organismo. No começo você pode ter enjoos, por isso a dose reduzida, mas depois vai normalizar.

— Tem algum outro efeito colateral?

— É possível, por isso é importante que esteja em contato comigo e com o seu psiquiatra. Mas nada muito grave.

Enid assentiu, processando a decisão.

E Wednesday, distante, pensava em Enid.

De certo, o perfume amadeirado frutal dela era marcante, assim como os olhos azuis tão intensos, bonitos e curiosamente instáveis quanto o mar. O senso de humor, tão genuíno, continha charme e deixava transparecer a forma com a qual aparentemente era capaz de ficar alegre até com pouco. Aliás, lembrava em looping o elogio que a garota havia feito sobre a sua seleção de roupas. Ótimo. Tipo, dez de dez! Um vocábulo do qual a Addams não estava nem um pouco acostumada, mas era um tanto... adorável.

Tentando fugir dos próprios pensamentos, Wednesday olhou o relógio. Nove e quarenta da manhã. Ela segurou-se para não bufar de tédio notando que ainda faltavam quase duas horas para a aula terminar. Olhou para o quadro e os slides apresentados, nada despertava o seu interesse; Para os lados, alguns alunos pareciam concentrados, o que quase a fez sentir culpada, mas outros usavam tranquilamente o celular. Por um segundo, a garota de olhos castanhos ficou tentada e encarou fixamente o aparelho.

De toda forma estava alheia, por que não?

Wednesday o desbloqueou aflita e analisou o professor. Era como se ela nem existisse. Então, continuou. Entreteu-se com alguns recursos até cair nas redes sociais. De repente, uma dúvida tentadora a acertou: Conseguiria encontrar Enid Sinclair no meio de tantas contas?

Spoiler: Sim, em seis minutos ela conseguiu.

Logo que abriu o perfil, observou as fotos uma a uma. Crianças muito parecidas com ela, paisagens, infinitas cores, caretas. O coração traiçoeiro disparava cada vez que novamente via Enid. E estava tão imersa nisso que, ao quase curtir uma foto acidentalmente, respirou alto e saiu do aplicativo nervosa.

— Tudo bem? —O professor questionou.

— Claro. Sinto muito —Respondeu envergonhada por, de repente, toda a atenção da sala estar em si e endireitou a postura.

Quando conseguiu regular-se e a aula prosseguiu, novamente pegou o celular e se deparou com uma foto de Enid com Yoko publicada nos meados de Maio, cinco meses atrás. Estavam tomando a mesma bebida, com dois canudos, e encarando-se. Na próxima foto da coleção, abraçadas em frente à um grande espelho. A Addams sentiu algo no estômago e sua espécie de investigação agora tinha mais um objetivo. Abriu os comentários das outras fotos e em todas tinham comentários de Yoko. Graças a uma marcação, acessou o perfil pessoal da mesma e chegou à conclusão óbvia: As duas eram muito carinhosas uma com a outra. E, com isso, ficou se perguntando o que era lógico para si, se elas não eram... algo à mais.

Em primeiro lugar na biografia estava o link para o perfil do brechó. Talvez fosse exagero. Talvez houvessem maneiras melhores. Talvez fosse até errado. Mas ela fez uma compra mesmo assim. E finalmente a aula acabou.

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Olá, seres!

Definição no começo do capítulo via Oxford Languages.

O que acharam?

What was I made for? • WenclairOnde histórias criam vida. Descubra agora