What was I made for? • Wenclair

29.

O tempo é relativo. É uma invenção, uma projeção. Algo essencial principalmente porque a nossa espécie precisa ser submissa de algo: seja Deus ou o relógio —ambos também. O tempo pode passar tão rápido quanto um suspiro ou tão lento quanto uma hibernação. Ficamos a maior parte do tempo parados enquanto dormimos de maneira fácil, porém é uma tortura manter-se parado quando esperamos uma encomenda para chegar no mesmo dia.

O tempo de Wednesday passou lento durante sua infância e adolescência, presa inconscientemente à uma utopia. Para Enid, passou lento durante aqueles três dias de Julho, descobrindo sobre um passado esfumaçado e sofrendo na pele consequências as quais não eram suas. O delas fora veloz enquanto almoçavam na casa dos Sinclair, com direito à brincadeiras, álbuns de família, gosto de carne com batata e clima de domingo.

Beirando as quatro da tarde daquele mesmo dia, Yoko enviou à Enid:

você e wednesday
por favor, estejam vestidas em dez minutos!

A destinatária olhou para o lado. A Addams, com os olhos castanhos presos na televisão, a qual transmitia a cena final de Escape Room, não parecia querer sair dali tão cedo.

pra que?
esqueci de alguma coisa?

qualquer roupa, sendo roupa tá bom

O estranhamento aumentou, e perdurou até que a campainha soou. Atrás da porta, estavam os amigos, os quais planejaram uma surpresa, uma tarde na piscina. O tempo passou devagar quando essa palavra foi mencionada, mas Enid sorria e acenava para os motivos —entre eles o tempo de qualidade.

Todos já estavam devidamente com trajes de banho, então apenas Wednesday e Enid subiram a escada para trocar-se. A Addams exibiu uma série de opções para a Sinclair, escolhendo o seu clássico maiô preto e liso. Foi ao banheiro e aproveitaria para vesti-lo, na intenção de que, quando voltasse ao quarto, pudessem descer juntas. Mas quando ela saiu, Enid estava se encarandon o espelho, somente com a parte debaixo no corpo.

— Tudo bem, cara mia?

— Desde que tudo aconteceu eu nunca mais coloquei algo que mostrasse as costas.

— Oh. Claro. Desculpe. Se quiser eu tenho uns maiôs ou...

— Não precisa. Eu quero tentar —Afirmou. As palavras saíram decididas, já o corpo não demonstrava.

— Pensei que não quisesse falar mais nada sobre nesse final de semana.

— Não era o plano, mas é uma boa oportunidade de pelo menos mostrar alguma coisa.

Wednesday concordou paciente. Se ela estava sentindo, apoiaria até de olhos fechados.

— Posso te ajudar?

Enid assentiu fortemente, como se estivesse esperando por isso para se mexer. Seguiu de frente para o espelho enquanto sua camisa saía nas mãos da Addams, e também quando o sutiã foi ao chão, por cima dela. O tempo passou devagar ao passo que o coração batia rápido no peito da garota. Estava trêmula, como poderia não estar? Mais do que com o corpo desnudo, aquela era a alma de Enid, um pedaço da sua história. Algo que alguém fez com ela. Eram duas linhas que marcavam do ombro até o meio das costelas; e especiés de furos, pequenos buracos, perto da cintura.

— Encosta. Não dói mais.

Os dedos frios saciaram a vontade e traçaram as marcas.

— Garrafas de vidro. As linhas parecem ser golpes de raspão, com elas já quebradas, e as outras marcas...

— Foram em mim —Completou distante. Era impossível esquecer— Eu perdi a conta de quantas voaram perto, de outras que erraram por estarem alterados e no escuro. Aquele cheiro de rum insuportável...