O MESTRE de marionetes

Capítulo X || Heart Attack

Quando conto minha odisseia a Jill, ela mal consegue acreditar. Na verdade, nem eu consigo acreditar em tanta loucura e nas coincidências.

— Quer dizer que você sempre sonhou em fazer parte do show desse cara, cujo anúncio das audições salvou sua vida?

— Sim, foi como ver o impossível se realizando bem em frente aos meus olhos...

— Imagino o medo que você teve, Cissy. Mesmo para mim, que vivi em Wartfort desde que nasci, ainda é difícil não me perder em certos lugares, penso em você, no meio da rua naquele temporal, sendo perseguida por um maluco.

— Foi apavorante, não quero nem me lembrar.

— Então não lembre. Foco no que interessa. Está pronta para se apresentar numa audição em seis dias?

— Não!

Ela me olha sem entender.

— A vida toda meio que me preparei para esse momento, mas nunca tive coragem de ir em uma... Vai ser minha primeira vez e não me sinto pronta, mas vou com medo mesmo. Se eu nem tentar agarrar essa oportunidade, nunca vou me perdoar.

— Ok. Eu não entendo nada disso, então me conta como funciona.

— Bom, uma audição nada mais é que um teste, nesse caso, musical, onde geralmente a gente canta alguma coisa pré-selecionada pela produção ou, em alguns casos, à nossa escolha, como acontecerá nessa. Além disso, faremos uma avaliação de dança e de atuação, porque o espetáculo deve ser bem completo. Depois, os organizadores da peça, que costumam ser os juízes, escolhem o candidato ideal para o papel.

— Pra mim isso parece um bicho de sete cabeças.

— É e não é. Eu amo fazer isso, cantar, me apresentar, mas por ter toda a pressão das pessoas julgando se você é digna ou não de estar ali, acaba se tornando bem mais difícil para mim. Acho que se pensar muito sobre o assunto, nem saio de casa.

— E como você vai ignorar seus temores e vai sim a essa audição... — Ela me olha expressivamente, me obrigando a concordar. — Já pensou o que vai cantar?

— Eu estava refletindo sobre isso. Sou soprano, então estava pensando em "Casta Diva", de Bellini. Madame Odette dizia que essa ária em particular parecia ter sido feita para mim. É claro que não posso levar muito em consideração, porque ela sempre adorou qualquer coisa que eu cantasse.

— Deve ser linda... Canta um trechinho?

Sem pensar duas vezes, me empertigo, me colocando de pé e começo a cantar.

— Já ganhou, já ganhou! — Minha amiga começa a assoviar e aplaudir quando termino. — Que coisa mais incrível, parecia que eu estava flutuando enquanto te ouvia...

— Você é a melhor plateia que já tive. — Comento, rindo.

— Isso porque sou a primeira, mas com certeza não serei a última, você arrasa muito, Cissy!

— Grazie. — Agradeço com uma reverência. Espero que meus avaliadores tenham a mesma opinião. Um em especial.

Sinto um arrepio percorrer minha espinha. Os olhos verdes de Pierce estarão voltados para mim em alguns dias. Como estará o mestre de marionetes quinze anos depois? Será que se transformou num barrigudo careca e por isso nunca se viu nada de sua imagem por aí?

Por que quero saber, que diferença isso faz? Me recrimino. Estou indo até lá para conseguir um trabalho, não para rever meu crush da adolescência. O mais importante é que ele consiga ver talento em mim.

★★★

Um dia antes do teste, tomo todos os cuidados com a minha voz, evitando correntes de ar e bebidas geladas e tenho que escolher a roupa da apresentação. Não sei como é o código por aqui, mas as pessoas costumam ir normais para essas avaliações, com roupas confortáveis, porém tenho a impressão de que para me apresentar no teatro de Pierce, eu deva ter um cuidado a mais no visual. Seu espetáculo, já na época em que o assisti, tantos anos atrás, primava pelos belos acabamentos e figurinos, tanto que uma criança como eu foi capaz de perceber. Por outro lado, não posso ir toda montada como se já me achasse uma prima donna.