Capítulo III || Under the Influence

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Quando mestre Pierce me diz que interpretarei "Air Des Clochettes", de Lakmé, fico muito preocupada. Essa ária é extremamente difícil e além de exigir o máximo da voz e da afinação, uma vez que alcança notas altíssimas, também apresenta uma grande carga dramática, já que a ópera retrata a história do amor impossível entre uma jovem hindu e um oficial britânico, no período de ocupação da Inglaterra, o que, teoricamente, os tornaria inimigos.

Treino por dois dias somente com o mestre e então começamos os ensaios com a orquestra. Os músicos da filarmônica são excelentes e, ao contrário dos atores, me recebem de braços abertos. Talvez porque tenham me ouvido cantar, antes de darem atenção aos boatos.

Sei que a minha responsabilidade é grande. Praticamente estarei por alguns minutos no sábado carregando todo o teatro, o espetáculo, os funcionários e, principalmente, o sonho do mestre Pierce em minhas costas. Tudo o que mais desejo é dar orgulho a ele e, se possível, adquirir algum respeito de meus colegas, além é claro, de conseguir o bendito patrocínio tão vital.

Meu chefe me faz milhares de recomendações de cuidados com a voz, que agora realmente vale ouro. Ele parece muito tenso e eu queria poder fazer mais. Queria poder dizer "fique tranquilo, eu dou conta". Mas eu realmente não sei.

Seo Joseph tem me buscado mais cedo, mas ainda chego em casa todos os dias por volta das 18:30, para garantir que consiga dormir num horário decente, afim de preservar minhas cordas vocais.

Parte desse tempo já apertado é usado para que a figurinista, Marla Aires, tire minhas medidas para o vestido que será passado na frente de todos os outros, e será produzido a toque de caixa.

Depois de muito debate com seus assistentes sobre qual seria a melhor cor e tecido, fica decidido que usarei um vestido sem mangas, longo e justo de veludo verde musgo, com uma pequena fenda para movimentação atrás, decote quadrado baixo para valorizar os seios e luvas brancas compridas. Como complemento, terei um colar de cristais swarovski, réplica de um de diamantes usado pela rainha da Jordânia e um par de brincos em formato de gota do mesmo material, ambos encomendados especialmente para mim e que depois passarão a integrar o acervo do teatro.

Desde que fui contratada tenho trabalhado tanto, que só agora entro em contato com a parte mais glamourosa da profissão e sinto, animada, um gostinho do que é ser uma diva.

Pierce fez exigências para a equipe sobre como me tratar, de modo que estou sendo mimada e paparicada como nunca. Nem me importo mais com o que os funcionários devem estar pensando; a missão que tenho a cumprir é tão importante que acho que tudo bem receber algum alívio.

Me encontro em silêncio, sentada na cadeira do meu mais novo camarim, em frente à penteadeira e ao grande espelho rodeado de lâmpadas, ouvindo a discussão entre a figurinista e o cabeleireiro acerca do penteado que deveria usar.

— Quanto tempo vocês ainda precisam que ela fique presente? — Pergunta o mestre, ao irromper intempestivamente pela porta. À medida que se aproxima a apresentação, ele fica cada vez mais impaciente.

— Me desculpe, mestre. — Responde Marla. — Estamos tendo um pequeno desentendimento sobre qual seria o melhor penteado para Cecilia. Temos que decidir isso para fazer o teste.

— Cabelos soltos.

— Na verdade, estávamos pensando num cabelo preso elegante...

— Cabelos soltos. — Ele repete. — Precisamos ganhar esses patrocinadores e usaremos todas as armas à disposição, isso inclui os lindos cabelos de Cecilia. — Conclui, me olhando intensamente pelo espelho.

Coro como uma garotinha. É tão raro ele me elogiar, sempre tão exigente, que quando o faz, é meio que um choque para mim.

— Tudo bem, senhor. Moldaremos as ondas para que fiquem mais bem acabadas e dividiremos o cabelo na lateral, o que vai oferecer mais sensualidade.

O MESTRE de marionetes Onde histórias criam vida. Descubra agora