Prelúdio

361 26 4
                                    


Era a terceira vez naquela semana que ele se encontrava no mesmo lugar, com corpo reto, deitado com a cabeça apoiada no trilho gélido e maciço. As pedras que cobriam o chão, pareciam pontas de facas pinçando cada centímetro de suas costas enquanto encarava o céu esbranquiçado pelo clima fechado.
O silêncio na estação vazia fazia com que o barulho do vento parecesse assoviar dentro de seus ouvidos e não pelas paredes velhas e gastas do lugar. A neblina baixa e úmida fazia os pelos de seus braços se eriçarem a cada sopro de brisa e ele já não conseguia mais distinguir se era pelo frio dos membros descobertos pela camiseta fina ou se pela sensação que a lufada de ar trazia de que algo ruim estava por vir.

Sua respiração era, novamente, controlada apesar de já saber o fim que aquele momento levaria. A velocidade que seu coração batia contra seu tórax era completamente diferente do funcionamento de seus pulmões, que pareciam desesperadamente forçados a se acalmarem para o permitir respirar, enquanto seu peito era castigado pelas batidas fortes e rápidas do órgão que bombeava sangue em tempo recorde pelo seu corpo.

A paralisia. Mais uma vez estava ali.

Tentava mover os dedos das mãos, mas o corpo simplesmente não respondia, como se entendesse o momento e já tivesse desistido.
As lágrimas, porém, ainda estavam vivas e era inevitável tentar freá-las. Conseguia senti-las escorrendo pelas laterais de seu rosto indo em direção ao seu ouvido, abafando os sons à sua volta. Na realidade, preferia mesmo não os ouvir.

Novamente, conseguia escutar, ainda distante, a buzina do trem anunciando sua chegada.
Era isso, o inferno se repetindo mais uma vez.

A vibração do trilho sob sua cabeça ficava cada vez mais ativa, quase como se fizesse sua cabeça martelar de encontro a ela.
O peito pulsava como nunca e as lágrimas de desespero pareciam dobrar a intensidade, como se estivessem tentando fugir de si. Ele também queria, ele também tentava. Mas a paralisia o pressionava ao chão, quase como num soco.

Via pela lateral de seu campo de visão a locomotiva se aproximando. Com a cerração presente no ambiente, aquilo só indicava o quão perto já estava de seu corpo.
Não tinha mais como escapar, sabia seu destino e bastava aceitá-lo. Talvez seria mais fácil.

Mais duas buzinas do trem.
Mais duas lágrimas.
Mais socos do coração sob seu peito.
Menos de 2 metros para a colisão.

Estava feito, precisava se preparar para receber o impacto.

Com os olhos fechados fortemente, prendeu a respiração e pediu que fosse rápido e indolor.
Esperava ouvir pela última vez a buzina, mas outro som invadiu seus tímpanos como num sopro:

"Acorda."

De repente, todo o ar invadiu seus pulmões, tão forte que o impulsionou para frente, o fazendo sentar.

A superfície que se encontrava, já não era mais de pedras. Tão pouco o ambiente estava claro e com nevoeiro.

Ele estava de volta em seu quarto escuro.

Os olhos arregalados e corpo inquieto analisando cada canto do ambiente, denunciavam o despertar de seu pesadelo.

Pela terceira vez se encontrava naquela estação, pela terceira vez sentia o sopro da morte e pela terceira vez era resgatado pela voz suave que o trazia de volta à realidade, somente naquela semana.

Talvez realmente tivesse enlouquecido e se encontrava exatamente onde loucos deveriam estar.
Por ora, aquilo era o melhor que tinha, afinal, qualquer sanatório seria melhor do que morar em seu pesadelo.

Exausto após perceber que estava de volta à realidade, afundou a cabeça em seu travesseiro antecipando mais uma noite de insônia, tentando se livrar da agonia que se instaurava em seu corpo a cada vez que o maldito sonho se repetia.

AshesOnde histórias criam vida. Descubra agora