Um Nome Solto, Sem Rosto Nem Voz

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Morgana encolheu-se por causa do frio. Os dedos apertaram os seus braços, o corpo estremeceu e depois voltou a relaxar. Dedilhou as mangas do vestido no ritmo da música que permeava a sua memória: a música que tocara na sala de música com Aesop. Um leve sorriso surgiu nos seus lábios, suavizando a expressão no seu rosto. Se pudesse, teria feito o tempo parar naquele minuto para sempre, onde não existia mais nada no mundo além dela, dele e do piano. Sentir-se sozinha era uma sensação familiar, mas naquele momento era uma dor ainda mais dilacerante, que a rasgava em duas; um vazio imenso, como se tivesse sido aberto um buraco no peito e o seu coração de lá retirado. E Aesop era esse ladrão que levara o seu coração quando não estava de vigia.

Deixou a sua imaginação fluir. Idealizou um lugar distante do seu mundo, repleto de macieiras em flor, o sol da manhã a brilhar sobre um lago cristalino. Curvou-se sobre as águas e viu-se de cabelos longos, tal como usara quando era menina, pretos como asas de corvos, a emoldurar o seu rosto redondo e branco. Uma mão surgiu e puxou-os para o lado, destapando o seu pescoço. Aesop agachou-se ao seu lado e curvou-se para beijar a pele exposta. A maciez dos seus lábios e o picar da barba fizeram-na estremecer, e um suspiro escapou sem que tivesse tempo de pensar em conter.

Uma brisa acariciou-os e trouxe o cheiro fresco, tão parecido com menta, até si. Respirou fundo para se perder nele antes de se virar para Aesop. As sombras das macieiras deixavam a cicatriz sobre o lado esquerdo do rosto ainda mais profunda e carregavam as marcas do tempo à volta dos seus olhos. Morgana levantou a mão para desenhar cada linha e viu-o fechar os olhos. Um sorriso lutou por curvar os seus lábios, mas Aesop conteve-se.

– Kevin.

O vento trouxe o nome numa voz que desconhecia. Morgana olhou à sua volta a tempo de ver as flores das macieiras caírem, o céu escurecer e uma bruma densa engolir o mundo à sua volta.

Quis chamar por Aesop, mas não encontrou a sua voz. Aesop também não estava mais ao seu lado. Levantou-se e, aflita, saiu do lago para ir à sua procura. Seguiu em linha reta, mergulhou no bosque e parou diante de um carvalho retorcido. Reconhecia-o, mas não sabia de onde.

– Levem-no para o bosque de carvalhos, como vos foi ordenado, – Morgana olhou para trás, mas não encontrou ninguém. A voz vinha de todos os lados, como se fossem as árvores a falar – mas uma vez aí, que seja abatido rapidamente, de um só golpe. Enterrem-no debaixo do grande carvalho e que esse local, de hoje em diante, agora e para sempre, seja evitado por toda a gente. Kevin, último dos mensageiros da Deusa, a minha maldição é que vos esqueceis de tudo, que volteis a nascer despojado da vossa qualidade de sacerdote e do esclarecimento, que tudo o que fizestes nas vossas vidas anteriores seja apagado e que a vossa alma regresse para junto dos que só nasceram uma vez. Tereis de voltar mais mil vezes à vida, Kevin harpista, procurando sempre a Deusa sem nunca a encontrardes. No entanto, por fim, Kevin, que um dia fostes o Merlim, sou eu que vos digo: se Ela vos quiser, podeis ter a certeza de que há de encontrar-vos de novo.*

Sem que soubesse o motivo, os olhos de Morgana encheram-se de lágrimas. Piscou diversas vezes e, quando secaram, viu um homem parado em frente ao carvalho: curvado, coberto de cicatrizes, os membros tortos como se tivessem sido quebrados de todas as formas cruéis possíveis. Ele levantou o olhar para si; um olhar cheio de ternura, mas também repleto de tristeza.

– Adeus, então, Senhora do Lago. – Fez uma pausa para encher os pulmões de ar. – Penso que há de passar muito, muito tempo, antes que vós e eu nos voltemos a encontrar, Morgaine.*

Um trovão soou ao longe e, como se o tempo tivesse parado por aqueles instantes, a chuva caiu forte de uma vez. Morgana teve dificuldade de ver. Piscou os olhos novamente para clarear a visão e quase jurou ter visto Aesop no lugar do homem desconhecido, mas nunca teve a certeza. Um relâmpago cortou o ar, um brilho branco e ofuscante, desceu sobre o carvalho e o homem, e tudo escureceu.

Masquerade (Morgana Malfoy x Aesop Sharp)Onde histórias criam vida. Descubra agora