Eu Falhei

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Assim que Aesop se acomodou na cadeira, Eleazar Fig serviu-lhe uma xícara de chá. O cheiro fresco de hortelã foi bem-vindo, ajudou-o a respirar fundo e pareceu amenizar um pouco o incómodo da perna. Seria bom se esse fosse o motivo, pois, se assim fosse, Aesop passaria o dia com uma xícara de chá de hortelã na mão para cima e para baixo no castelo. Infelizmente, não era assim tão simples. Depois de quatro lances de escadas até ao escritório do colega, sentar e descansar era o único remédio — ou talvez devesse chamar de remedeio.

Estendeu a perna esquerda por baixo da mesa, com cuidado para não acertar em Eleazar. Deu uma leve massagem na coxa antes de se inclinar para alcançar a xícara. O dedo indicador deslizou pela asa ao estudá-la.

— Não me lembrava deste conjunto — comentou ao observar a imagem, possivelmente pintada à mão, na porcelana branca. Era a silhueta de um casal contra a lua cheia, emoldurada por ramos de bambu onde enfeites de papéis coloridos ondulavam ao sabor do vento. Era uma peça lindíssima, trabalhada com rigor extremo. Não havia uma única falha.

— Um dos favoritos da Miriam.

— Algum motivo em especial ou, simplesmente, bom gosto?

Eleazar pousou a xícara na mesa e pegou no prato onde tinha a pintura completa: o casal estava no pico de uma montanha; trajavam lindíssimos quimonos, coloridos como os enfeites nos ramos de bambu. Alisou a imagem com o polegar antes de proferir:

— É sobre uma lenda japonesa. Orihime e Hikoboshi. Uma tecelã e um pastor de gado. Um casal muito apaixonado; tão apaixonado que o amor interferiu nas suas responsabilidades. Por esse motivo, o pai de Orihime puniu-os. Separou-os, obrigando-os a viver em lados opostos da Via Láctea. — Devolveu o prato à mesa com cuidado. — Para amenizar o sofrimento da filha, o pai permitiu que se encontrassem uma vez por ano, no sétimo dia do sétimo mês.

— Muito romântica — apontou com uma nota de humor.

— De facto, era. Sempre achei fascinante essa sede de conhecimento da Miriam. Isto é uma coisa pequena, uma questão cultural; uma forma que os muggles encontraram para explicar certos fenómenos que desconheciam. Às vezes sinto que nós, com a magia, perdemos um pouco dessa magia deles. — Eleazar sorria, algo nostálgico, ainda de olhos postos no prato de porcelana. Tanto o prato como a xícara tinham os contornos em dourado.

— Uma Ravenclaw, não é verdade? Conhecimento nunca é de mais, por mínimo que seja. Nunca se sabe quando poderá vir a ser útil.

— E cá está a voz de um Slytherin. Nunca te tomei por um homem de... Como dizê-lo...

— Acreditar em coisas mais abstratas? Pois é, nem eu. — Aesop levou a xícara aos lábios e bebeu algumas gotinhas.

— Exatamente. Existe uma beleza poética nesta e noutras histórias ao redor do mundo. Eu e a Miriam viajamos muito... Bom, hoje olho para esta lenda e acho-a cruel. Claro que é apenas uma lenda e não deveria levá-la tão a sério. Ainda assim... Tão jovens e condenados a estarem separados quando se amam tanto.

O semblante caído de Eleazar quebrou algo dentro de Aesop. Sempre via alegria nele quando falava em Miriam, a sua falecida esposa. Era a primeira vez que tinha diante dos seus olhos um vislumbre da solidão e da tristeza do amigo. Havia uma tremenda saudade escrita em cada ruga do seu rosto.

Eleazar respirou fundo e esboçou um sorriso.

— Segundo a Miriam, é uma possível referência às estrelas Vega e Altair — concluiu com uma nota de orgulho. Lembrou a Aesop de alguns dos seus alunos de Ravenclaw quando acertavam as suas questões.

— Vou corrigir a minha afirmação anterior: os dois são muito românticos.

Eleazar deu uma gargalhada.

Masquerade (Morgana Malfoy x Aesop Sharp)Onde histórias criam vida. Descubra agora