A Vida Tirou-lhe Tudo e a Ela Deu-lhe Nada

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Eram duas da manhã quando Aesop atravessou a porta do quarto. Fechou-a com um baque suave, quase inaudível. Despiu o casaco e pendurou-o no cabide logo à entrada. Com um suspiro de alívio, retirou a máscara e avançou até à mesa de apoio às costas do sofá. Estava desesperado para se sentar um pouco. Já sentia o formigueiro familiar na base da coluna e na parte de trás da coxa esquerda. O efeito da poção estava a passar.

— Está atrasado.

O coração de Aesop deu um salto no peito. Instintivamente, pousou a mão no bolso onde guardava a varinha.

No instante seguinte relaxou. Para lá do sofá, de frente para a estante, estava Morgana com um livro na mão. Ela fechou-o, devolveu-o ao seu lugar e, com toda calma do mundo, desfilou até estar de frente para Aesop. Ele seguiu-a com o olhar, deslumbrado. Na penumbra do salão não pôde apreciá-la como gostaria, mas ali, diante da luz da lareira, via cada detalhe na perfeição: a renda do vestido trabalhada com extremo cuidado, sem qualquer falha; o corte na cintura favorecia o que já era naturalmente bem desenhado; o contraste da pele branca com o preto do vestido. O decote modesto mostrava apenas o início dos ombros e do pescoço para cima, o suficiente para por a sua imaginação a funcionar.

Morgana tocou o colete de Aesop com a ponta dos dedos. Deslizou-os pelo tecido até alcançarem a corrente de prata do relógio de bolso. Puxou-o e abriu a tampa.

— Duas horas atrasado — repetiu.

— Não me recordo de termos combinado nada. Na verdade, se a memória não me falha, deixei-te na sala comum. O que estás a fazer aqui? — Apesar da pergunta incisiva, Aesop soava mais curioso do que incomodado.

Antes de responder, Morgana devolveu o relógio ao bolso e espalmou as mãos no peito de Aesop. Moveu-as até encontrar a gravata acetinada e começou a desatar o nó, sem pressa.

Morgana sorriu; o tipo de sorriso que chegava aos olhos e lhe dava um brilho especial, tão raro de se ver no dia-a-dia.

— Feliz aniversário, Aesop.

Foi inevitável não espelhar o seu sorriso, embora mais contido.

Aniversários não costumavam ser emocionantes, nem para o professor nem para a aluna. No entanto, Morgana estava disposta a fazer diferente. Numa imitação do que tinha acontecido no Salão Principal, presenteou-o com um beijo.

Por um momento, nada disseram. Saborearam a presença e o calor um do outro em silêncio, cortado apenas pelo crepitar das chamas na lareira. A luz alaranjada dançou na lateral dos seus rostos.

Aesop recordou-se da noite na casa na floresta, quando Morgana adormecia Archie. A pequena fénix parecia estar a ganhar cor e uma forma mais robusta. Distraidamente, desenhou o contorno do maxilar dela e parou no queixo, antes de se inclinar para um segundo beijo.

Achava curioso que os seus aniversários tivessem um dia de diferença. Havia tanta coisa que os entrelaçava e que tinham em comum, coincidências e afinidades que os aproximavam. Ainda que vinte e três anos os separassem, na prática, era como se tivessem nascido um após o outro. Aesop gostaria de poder dizer que o tempo era um detalhe irrelevante na equação, mas não tinha nada de irrelevante: era metade de uma vida que Morgana ainda não tinha vivido e que ele não lhe queria tirar.

Mas querer nem sempre era poder. Lutar contra os sentimentos era como remar contra a maré.

— Trouxe-lhe um presente. — Morgana apontou para o livro pousado na mesa. Aesop não tinha notado a sua existência. Tentou alcançá-lo, mas ela afastou-o para a ponta mais distante. — Quando estiver sozinho. Para se lembrar de mim.

Masquerade (Morgana Malfoy x Aesop Sharp)Onde histórias criam vida. Descubra agora