Confiar ou Não Confiar é uma Escolha

8 2 0
                                    

Era de madrugada, na hora mais escura. Cordelia despertou de um sono sem sonhos. Estendeu um braço e tateou a cama até sentir a borda do colchão. Depois subiu a mão para onde sabia estar a escrivaninha. Assim que os dedos tocaram o tampo, sentiu a sua varinha. Com um gesto suave, acendeu uma vela. Ela tremeluziu até se estabilizar, ao mesmo tempo que Cordelia sentou-se na cama.

Da gaveta da escrivaninha tirou um caderno de couro e abriu-o. O diário de Cordelia Morganach. Folheou as páginas e leu-as na diagonal. No topo de cada folha havia uma data. Sem falhar um dia, Cordelia escrevia no seu diário o que acontecia de relevante no seu dia em tópicos. Elaborava uma pequena descrição quando achava necessário. Numa das entradas, cruzou-se com uma que chamou a sua atenção e leu baixinho:

– «O meu anjinho de asas pretas nasceu. É uma menina pequenina, leve e sossegada. É a minha adorada filha, com quem tanto sonhei por mais de nove meses... Não, ela não é minha. Ela é do mundo, mas escolheu-me para ser a sua guia... Jacob... Adormeceu no meu colo depois de comer. Deveria deixá-la descansar, mas não consigo resistir às suas bochechinhas redondas. Que desrespeito para com uma... Jacob... Estou feliz e a minha missão está quase cumprida. Devo esperar a hora certa para que possa dar-lhe o que lhe pertence. Até lá, deixarei que seja uma criança como qualquer outra. Por agora, ela pode ser apenas a Morgana, e um dia voltará a ser a... Jacob...»

Cordelia indagou-se sobre o motivo de ter várias partes do texto rasuradas, substituídas pelo o nome do seu primogénito. Avançou mais algumas páginas, mas nenhuma apresentava respostas. Pelo contrário, encontrou várias onde apenas tinha escrito Jacob da primeira à última linha.

Quando chegou à última, que datava ao dia anterior, Cordelia leu:

– «Visitar o Jacob para pedir-lhe que... Jacob... – O meu menino está tão crescido. Às vezes penso que ainda é o meu rapazito sonhador, ansioso para ter nos braços a responsabilidade de ser o irmão mais velho. Ah, como sinto falta de tê-lo deitado na minha barriga, à espera de algum sinal da Morgana. Deveria ter... Jacob... pelo bem deles, mas agora era tarde demais.»

O que deveria ter? E o que era aquele vazio dentro de si?

Forçou-se a pensar. Trouxe para si as memórias com os seus filhos. Tinham um sabor agridoce. Havia uma dor no olhar tanto de Jacob como de Morgana que não compreendia. Porque deixava que isso acontecesse? Porque dizia que iria ficar tudo bem, mas não fazia o que era preciso para que assim fosse?

Cordelia sentiu a garganta a apertar, mas os seus olhos continuaram secos. As suas mãos tremiam sobre as páginas, os dedos mexiam-se em espasmos involuntários como se quisessem agarrar algo que não sabia sequer o que era. Apenas sabia que algo faltava.

Por fim, fechou o diário e apertou-o contra o peito.

Quem era Cordelia Morganach? Quem era Cordelia Malfoy? Qual das duas era ela? Cordelia só tinha perguntas e nenhuma resposta.

A escuridão deu lugar à luz. A noite transformou-se em dia. Deixou a cama para só voltar a sentar-se na cadeira da sala de refeições. Sacudiu o guardanapo e deixou-o aberto sobre o colo num movimento gracioso. As suas mãos alisaram-no para que ficasse perfeito. O pequeno-almoço foi servido para ela num dos extremos da mesa. No outro havia dois lugares preparados e indagou-se se Jacob ainda teria tempo de comer antes de viajar.

A porta da sala abriu, como se invocada pela sua dúvida, e por ela passou Ezekiel, seguido de Nicholas. Apesar da falta do olho de Nicholas e do seu cabelo ser muito mais longo, a semelhança entre os dois era assustadora. A mão de Cordelia parou a meio caminho de levar uma garfada de bolo à boca.

Ezekiel não se dignou a dirigir-lhe o olhar. O grotesco arranhar dos pés da cadeira fez Cordelia arrepiar-se e os seus olhos baixaram-se para o prato antes que Ezekiel se sentasse.

Masquerade (Morgana Malfoy x Aesop Sharp)Onde histórias criam vida. Descubra agora