Capítulo 36

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UM MÊS DEPOIS

FEYRE

O sol começava a deslizar sobre o horizonte, manchando a planície de dourado, e as sombras ainda eram de um tom azul-arroxeado quando Lucien disse:

— Esta noite, derreteremos parte da camada de gelo o suficiente para amaciá-la... e construiremos um abrigo.

Sopesei. Mal estávamos a 30 metros do que parecia ser um lago infinito. Era impossível saber onde acabava.

— Acha que estaremos no gelo por tanto tempo?

Lucien franziu a testa na direção do horizonte manchado pelo entardecer.

— Provável, mas quem sabe qual é a extensão? — De fato, os bancos de neve escondiam muito do gelo abaixo.

— Talvez haja outro caminho, dando a volta... — ponderei, olhando para trás, na direção de nosso acampamento abandonado.

Olhamos ao mesmo tempo. E ambos vimos as três figuras paradas na beira do lago. Sorrindo.

Eris ergueu a mão envolta em chamas.

Chamas — para derreter o gelo sobre o qual pisávamos.

— Corra — sussurrou Lucien.

Não ousei tirar os olhos de seus irmãos. Não quando Eris baixou aquela mão até a beira congelada do lago.

— Correr para onde, exatamente?

A pele encontrou o gelo, e vapor ondulou. O gelo ficou opaco, derretendo em uma linha que disparava até nós…

Corremos. O gelo escorregadio tornou a corrida perigosa, e meus tornozelos rugiam pelo esforço para me manter de pé.

Adiante, o lago se estendia infinitamente.

E com o sol que mal nascera, os perigos seriam ainda mais difíceis de ver…

— Mais rápido — ordenou Lucien. — Não olhe! — gritou ele, quando comecei a virar a cabeça para ver se estavam nos seguindo. Lucien esticou a mão para segurar meu cotovelo, me equilibrando antes que eu pudesse notar meu tropeço.

Aonde vamos aonde vamos aonde vamos
Água encharcou minhas botas... gelo derretido. Ou Eris estava gastando o poder para atravessar milênios de gelo, ou simplesmente o fazia devagar para nos torturar…

— Desvie — disse Lucien, ofegante. — Precisamos…

Ele me empurrou para o lado, e cambaleei com os braços agitados.

No mesmo momento que uma flecha quicou no gelo em que antes eu estava.

— Mais rápido — insistiu Lucien, e não hesitei.

Eu me apressei em uma corrida de fato, e Lucien e eu cruzávamos o caminho um do outro conforme aquelas flechas eram disparadas. Gelo rachava onde elas caíam, e, não importava o quanto fôssemos rápidos, o chão abaixo de nós derretia e derretia…

Gelo. Eu tinha gelo nas veias, e agora que estávamos além da fronteira da Corte Invernal…

Não me importava se vissem... meu poder. O poder de Kallias. Não quando as alternativas eram bem piores.

Corte de sacrifícios e vinganças Onde histórias criam vida. Descubra agora