.•*:。✩✩。:*•. VI. UM HOMEM MISTERIOSO..•*:。✩✩。:*•.

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Na copa que havia na sala dos professores, eu arranjei dois pratos para dividir a comida que eu pedira pelo aplicativo Seria minha primeira refeição. Em meio a correria e a abordagem da diretora Cole pela manhã, não tomei nem café e não reparei se havia biscoitos.

Era arroz a piemontese e medalhão ao ponto. Foi caro, por sinal, mas eu achava que merecia após descobrir que teria aulas extras além do que gostaria.

Violet ficou quieta durante toda a refeição. Nesse meio tempo, a professora de matemática entrou e não escondeu a sua expressão assustada ao se deparar comigo e com a aluna.

— Essa copa é para professores. — A voz dela era aguda e levemente irritante.

— Sim. É que Violet não trouxe comida. Estou dividindo meu almoço com ela.

A mulher abriu um sorriso amarelo e suspirou.

— Ah, claro, claro. Então vou deixar vocês a vontade*. Comerei na cantina.

E se eu soubesse o quanto de problema isso teria gerado, provável que o almoço com Violet teria sido na sala de aula mesmo. Eu apenas não imaginava o quanto as pessoas naquela cidade não gostavam de Violet e a sua família. Eu descobriria mais tarde que não era o fato de uma aluna estar na copa dos professores. Era Violet estar lá, o grande dilema.

Posso estar enganada, mas Violet ficou mais corada após a refeição. Ela não falava muito e procurei não ser chata a enchendo de perguntas. Precisava guardar energia para fazê-la entender biologia. Quanto mais rápido a suas notas melhorassem, mais depressa eu estaria livre pelas tardes.

~*~

Violet sentou-se de frente para mim, após voltarmos do almoço.

— Suas piores notas foram em botânica.

Eu verificava um pequeno relatório que a diretora Cole me deixou no meio do diário.

— Sim.

— Certo, Violet. Vamos começar do início e conforme tiver dúvida, você me interrompe. Pode ser?

— Certo, professora.


Violet era inteligente. Ao contrário de alguns professores que acreditam que um aluno bom é aquele que tem a capacidade de memorizar coisas, para mim, inteligência é a habilidade de interpretar e questionar. E nisso Violet se saia bem.

— Há uma lógica por detrás disso. Botânica tem as suas particularidades.

— Posso supor, professora?

— Claro que sim, Violet. Até prefiro.

— Como as briófitas não têm sistema de condução pelas folhas, seria prudente que elas ficassem em locais úmidos. Isso facilitaria a vida delas.

Sim, biologia pode ser uma questão de lógica também.

— Exatamente, Violet. Exatamente! — Eu disse empolgada.

Violet quase sorriu com o meu entusiasmo. Mas nada passou de um lábio repuxado que logo se desfez.

Passou-se uma hora de aula e quando olhei pela janela. Para variar, o tempo estava encoberto com nuvens pesadas e tingidas de um cinza triste. As árvores balançavam no jardim de inverno com a ventania e folhas se desprendiam dos galhos já quase completamente nus de folhagens.

— Nosso tempo acabou, Violet. Mas estou feliz pelo seu empenho. Acho que em breve você irá se recuperar.

— obrigada, professora.

A minha simpatia pela menina apenas aumentava. Acho que era pena. Violet era doce, apesar de certa frieza.

— Quem virá buscá-la?

— Meu pai. Ele já deve estar no estacionamento. — Violet juntava os seus pertences, os colando na mochila presa ao encosto da cadeira.

Um raio cortou o céu e foi seguido por um estrondoso trovão. A chuva caiu repentinamente em gotas espessas. O lado de fora era encoberto por uma cortina branca de água. Outro temporal desde que eu pusera os pés em Sundale. Era sinal de boa sorte?

— Eu levo você até o estacionamento. Tem um guarda-chuva no meu carro no estacionamento de professores.

Esse estacionamento de funcionários era coberto.

— Não será preciso, professora. Eu não me importo com a chuva.

— Claro que precisa, Violet. Não vou deixar que você se molhe.

~*~

O piso do estacionamento era entremeado por poças de água. O guarda-chuva não seria capaz de evitar que os nossos pés ficassem encharcados. Violet e eu fomos abraçadas para fora, tentando nos proteger ao máximo da chuva.

— Reconhece o carro do seu pai?

— Aquele!

Ela apontou para um veículo antigo, talvez fosse dos anos 80. Era de uma lataria preta reluzente, nova. Estava em excelente estado para um carro de quase quarenta anos atrás.

Assim que nos aproximamos, o farol se acendeu, iluminando a cortina de gotas de chuva que caia. Não dava para ver nada dentro do veículo, pois o vidro fumê era escuro demais. Logo em seguida, a porta foi aberta, um guarda-chuva automático foi acionado e por debaixo dele um homem se erguia.

Era alto, muito alto, coisa de mais de um metro e noventa talvez. Ele colocou os olhos sobre a filha e os desviou lentamente até mim. Parecia reprovar algo ou fosse só apatia.

O cabelo era moldado em um topete médio e os fios acertadamente ajeitados nas laterais. Algo que talvez lembrasse um penteado masculino dos anos 50. O rosto era bonito, quadrado, nariz esculpido. Sobrancelhas grossas. Os seus olhos eram analíticos e profundos, que parecem dizer algo. Foi impossível não me recordar das coisas que a diretora mencionara pela manha. O pai de Violet não parece um criminoso. Elegante, bem-vestido e com uma postura imponente. Até mesmo a chuva parecia respeitá-lo. Reparei que os seus sapatos de couro preto polidos estavam secos.

Quando chegamos até o carro eu me despedi de Violet.

— Nos vemos amanhã.

— Sim, até amanhã, professora.

Erguia o olhar até o pai de Violet. Ele me fuzilava, e agora eu tinha certeza de que ele reprovava algo. Será que não gostou do fato de eu evitar que a filha dele se molhasse toda na chuva? Será que ele soube sobre a minha conversa com a diretora Cole? Não, não seria algo plausível Quem teria contado?

Os dois entraram no carro. O pai de Violet não me cumprimentou ou agradeceu. Apenas deu partida e saiu calmamente do pátio.

Dei de ombros e fui para meu veículo. Estava torcendo para não ter micose nos pés após ficar com os sapatos encharcados.

NOTA: Gente, um homem misterioso é tudo, né? Asaloom não disse um "A" mas já deixou nossa Mahana toda confusa. Aff, Deus. Lá vem coisa, viu?

AsaloomOnde histórias criam vida. Descubra agora