XXVI. EU NÃO TENHO MEDO DELE...?

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Asaloom ergueu-se e caminhou até a janela. Parecia procurar por algo do lado de fora. Então um corvo pousou no batente e ficou bicando o vidro, como se quisesse entrar.

— Você sabe que não pode. — Disse Asaloom ao pássaro que parou de insistir — Corvos... — Suspirou — ... alguns pensam que são cães ou gatos! E veja: são capazes de entender que não podem entrar. Que não podem ficar em um determinado lugar. Deveria aprender com eles.

— Vai me comparar a uma praga*?

— Eu não disse isso. Nem você e nem os corvos são pragas*.

— Certo, agora me dê motivos para deixar Sundale.

Eu o encarava, esperando uma resposta. Por que ele me queria longe da cidade? Andamos em círculos até ali. Às vezes sentia que estava lidando com o mestre dos magos da Caverna do Dragão.

— Se eu disser os meus motivos, teria de matá-la. Não estou com ânimo para algo assim.

Deveria haver uma risada ou outra coisa que insinuasse que aquilo era uma piada. Porém, não houve nada. A frase ficou ali, suspensa no ar. Asaloom não parecia brincar ou fazer graça.

Assim que ele ergueu o braço para levar a bebida aos lábios, a manga da camisa social subiu pelo antebraço e o punho direito ficou à mostra. Havia uma tatuagem bonita ali, era um olho que tudo vê.

Maçons, pensei.

Em seguida me lembrava do policial Harry dizendo para me manter afastada deles. E como sou boa em seguir conselhos, ali estava eu: na sala de um maçon. Que dizia ser necessário me matar* caso me contasse os seus motivos para eu deixar Sundale.

Mahana, querida, você é ótima. Só que não.

— Você pareceu irritado com o fato de eu ter conversado com o policial Harry quando cheguei à cidade.

— Não, não me irritei. Polcial Harry é um idiota*. Ele acredita que maçons e satanistas dão no mesmo. Você também tem medo de maçons?

— Não, isso nunca me preocupou.

O que me preocupava era a fala dele suspensa no ar. Sobre me matar*.

Uma luz pareceu surgir nos olhos de Asaloom, como se eu tivesse dito algo certo pela primeira vez.

— Acredito que falaram muito disso quando chegou. Sobre termos pacto com o diabo* ou coisas do tipo.

Eu nem havia me dado conta de que o corvo não estava mais na janela nos espreitando.

— Sobre você ou sobre ser maçom? — Perguntei.

— Os dois.

— Algumas pessoas — Parei para refletir — Várias pessoas, na verdade.

O assunto ia se desviando. E apesar de querer respostas, Asaloom conseguia soar agradável e me envolver na conversa.

— Patético. Se ao menos conseguissem pensar fora da caixa, talvez chegassem à conclusão certa. — dizia praticamente a si mesmo olhando pela janela para o lado de fora — Mas quanto a você, Mahana, seja diferente dos moradores de Sundale. Pense fora da caixa e saia da cidade.

— Vai me ameaçar novamente?

— As interpretações são subjetivas. Mas se entender dessa forma a fará aceitar o meu conselho, sim, talvez seja uma ameaça. E cá entre nós, essa conversa está ficando chata e repetitiva.

— Bem, eu não vou sair até ouvir uma justificativa plausível. Do contrário, serei obrigada a abrir queixa contra você.

— Hum, vai a polícia?

— Sim, algo como assédio* moral, coação. Estão bons para você?

Ele se mantinha reflexivo.

— Eu coagindo uma professora de biologia. A cidade toda acreditaria em você. Hum — Ele projetou o lábio inferior para frente ao concluir — Inteligente. Inteligente sim.

— Não quero prejudicá-lo. Mas também não posso permitir que decida onde devo ou não ficar. Você não é dono de Sundale.

— Tem razão. Já terminou?

Asaloom caminhou vagarosamente até mim, passos lentos e calmos. De perto ele parecia muito maior, como uma muralha tapando a minha visão. Se ele dissesse mais alguma coisa, acho que eu teria saído correndo.

— Já terminei sim. Mais nada a dizer.

Os Olhos dele eram famintos.

— Certo. Então creio que deva voltar para casa. Está tarde para moças como você andarem por aí sozinhas. Eu não quero ter que salvá-la novamente.

Asaloom me lembrava do incidente em que Carlo tentou me agarrar na saída do Pub.

— Caso insista nessas ideias, Asaloom, eu vou à polícia. Fique bem claro.

— Sim, você disse.

— Ok, boa noite.

— Boa noite, Mahana. E cuidado. Mantenha a porta trancada...

Ele tragou o último gole do uísque esvaziando o seu copo.

Depois que disse isso eu posso jurar que Asaloom falou baixinho: ... como se deixar a porta trancada fosse me impedir de entrar.

— Disse mais alguma coisa?

Asaloom sorriu, agora com um semblante enigmático.

— Não — respondeu mentindo descaradamente.

Peguei a minha bolsa e saí dali com mais dúvidas do que quando cheguei.

AsaloomOnde histórias criam vida. Descubra agora