Ato II: A Exposição - Capítulo 9

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Talvez, por eu ter morrido, meus pesadelos foram mais vívidos.

Estava chovendo. O céu completamente cinza e depressivo brilhava nas primeiras horas da tarde. Meu terno estava desconfortável e minha gravata me enforcava. Mas, sinceramente, eu não estava prestando muita atenção nisso.

Quatro homens carregavam uma caixa grande através das pessoas, todas vestidas de preto. Uma senhora chorava de forma descontrolável. Ela botava o rosto entre as mãos enquanto soluçava e gemia. Um velhinho, também com lágrimas nos olhos, segurava um guarda-chuva com uma mão e a abraçava com a outra. Por mais que eu não a tivesse visto mais de duas ou três vezes na vida, eu sabia que era minha avó.

Devido à sua proibição, minha mãe havia decidido fugir de casa e se casar com meu pai às escondidas, o que resultou na minha falta de convivência com meus avós maternos. Nem mesmo minha mãe gostava que eu fosse para casa deles. Nós nos vimos somente nos três encontros de família em que fui, e toda vez tinha que ter uma discussão em relação a meus pais, por isso evitávamos ir. Meu pai nunca teve problemas com sua sogra. Tratava-a relativamente bem para compensar o que quer que ele tivesse feito para ela o odiar tanto. Eu não era o seu neto predileto, nem Kaia.

Percebi que o guarda-chuva em que eu estava abrigado se movera, e fui molhado pela chuva gelada. Meu pai, que estava do meu lado, se afastou e jogou sua sombrinha no chão, cobrindo o rosto com as mãos. Ele começou a correr pelo gramado até chegar ao nosso carro, onde ele permaneceu encostado de cabeça baixa, chorando. Kaia havia percebido esse ato, mas isso não atraiu sua atenção. Seus olhos estavam vermelhos, assim como seu nariz. Andei para não me molhar muito e me posicionei embaixo do seu guarda-chuva. Ela olhou para mim e lançou um sorriso por debaixo das lágrimas, como se meu rosto desse esperança a ela por algum motivo. Eu a envolvi com meus braços e apertei bem forte.

O mundo parecia não fazer mais sentido. O sofrimento me consumia. As pessoas choravam por todos os lados enquanto minha mãe era colocada dentro de um buraco fundo. O barulho da chuva era a única coisa capaz de distrair minha mente, nada mais importava. Olhei de relance para onde meu pai havia ido e reparei que ele estava quebrando os vidros do nosso carro. Com fúria evidente, ele jogava pedra após pedra na lateral da camionete como se ela fosse a culpada de sua dor. Talvez ele pensasse o mesmo que eu: nada mais importava. Aquele carro não era mais um carro, era um pedaço de metal sem utilidade nenhuma, servindo somente para que ele pudesse despejar a raiva e angústia que pressionavam seus ombros. Janelas quebradas eram um problema insignificativamente pequeno agora.

Charlie estava a alguns metros de mim, ao lado de seus pais. Ele olhava pra mim com tristeza nos olhos. Foi o primeiro enterro ao qual nós dois estávamos indo. Uma experiência terrível que tive que repetir três anos depois.

Minha mãe se foi. Eu nem tive como me despedir do seu corpo por estar deformado e carbonizado. Sua morte foi mais trágica do que a minha mente de quatorze anos pudesse imaginar. Um raio. Foi isso que matou minha mãe: energia. A mesma energia que usamos para carregar nossos computadores e celulares, que usamos para acender lâmpadas e clarear os ambientes, a mesma energia que liga a televisão para assistirmos um filme se voltou contra minha mãe e a matou. Jurei que nunca mais usaria energia elétrica. E, acredite se quiser, fiquei duas semanas no escuro. Tomando banho frio, sem computador nem celular nem nada. Até que eu percebi que isso não traria minha mãe de volta, nem faria a "energia elétrica" se arrepender do que fez.

— Ela te amava muito, sabia? — sussurrou minha irmã. Sua voz era como mel. Mesmo eu sendo três anos mais novo, ela era mais baixa alguns centímetros. — Nunca se esqueça dis...

Ela não terminou sua frase.

Nossas linhas de pensamento foram interrompidas por um forte barulho que nos deixou surdos. Um raio caiu exatamente onde estava o túmulo da minha mãe. Todos se assustaram com a terrível mudança de acontecimentos e se afastaram rapidamente. Um grande buraco foi aberto bem no centro do caixão, onde saía fumaça e cheiro de coisa queimada. Recusei-me a olhar por mais de um segundo, não queria ver a situação em que ela estava. Meu coração saltava rapidamente devido ao susto. Minha irmã abriu uma cara de pânico. Foi uma estranha e terrível coincidência, talvez irônica. Kaia correu o olhar pelas pessoas e olhou para onde meu pai estava quebrando o carro, mas ele não estava mais lá.

Benjamin Heartwell e a Pedra de ScaldorOnde histórias criam vida. Descubra agora