Capítulo 8

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Na manhã seguinte, pude dormir até mais tarde, já que não precisava me deslocar para o trabalho. Porém, minha noite foi tumultuada devido a tudo que estava acontecendo e à minha dificuldade em me adaptar aos horários variáveis dos turnos. A primeira coisa que fiz foi falar com Alice, que parecia menos incomodada do que eu esperava, apesar de sua resposta um pouco seca ao telefone.

Ao fundo do primeiro andar da casa havia um refeitório com uma pequena cozinha integrada, projetado para que os funcionários fizessem suas refeições. Eu fui em direção a ele para tomar café da manhã e avistei Michael sentado em uma mesa próxima à porta, conversando com um homem que pela vestimenta parecia ser outro segurança. Fui surpreendido com a variedade de opções de comida disponíveis no local, parecia mais um hotel. Havia diversas opções de pães, bolos, tortas, sucos, iogurtes, leite, café, ovos e até bacon nas mesas de madeira escura encostadas na parede. O cômodo estava cheio, e entre os presentes, identifiquei diversos funcionários que já cruzaram meu caminho pelos corredores da casa ou que Liza havia me apresentado. No entanto, notei também muitos rostos desconhecidos, o que me fez refletir sobre a quantidade de pessoas dedicadas a manter toda aquela estrutura em perfeitas condições.

Preparei um prato com pãezinhos, queijos e ovos, servi-me uma xícara de café e fui me sentar ao lado de Michael, o único com quem eu tinha afinidade naquele ambiente.

— Bom dia. — cumprimentei Michael e o outro homem com quem ele conversava.

— Bom dia. O que achou do café? Estava esperando por isso? — perguntou Michael, dando um gole em seu suco.

— Delicioso — respondi enquanto saboreava os ovos mexidos. — Com certeza não estava, vou comer aqui todos os dias. — ele riu, olhando para o lado.

Michael explicou que antes só serviam café e algumas bolachinhas, mas desde que Jack se casou com Liza, as opções de comida aumentaram. Segundo ele, Liza insistia para que todos fizessem uma boa refeição. Fiquei realmente impressionado com a fartura disponível ali, por mais que houvesse muitas pessoas a serem alimentadas.

— É o mínimo que podem fazer depois que arriscamos nossa vida constantemente por eles. E não é como se esse dinheiro fizesse alguma diferença. — disse o homem ao lado de Michael, com amargura, antes de se levantar e jogar o guardanapo sobre seu prato. Michael apenas revirou os olhos e o ignorou.

Curioso, perguntei a Michael quem era aquele.

— Carlos. Não é alguém em quem se pode confiar. — respondeu Michael, evasivo.

— Ele é outro segurança?

— Sim, quando não estou presente, ele é o segurança de Jack.

— Você não gosta dele? — perguntei.

Michael ficou em silêncio por um momento, seu olhar perdido em algum ponto à sua frente. Quando parecia que ele não iria responder, finalmente falou:

— Uma coisa é estar ciente de que Jack está realizando coisas com as quais não concordamos e não ter o poder para detê-lo; outra é apoiar essas ações. — Comendo seu último pão de queijo, ele se levantou da mesa, deixando-me a refletir sobre o significado desse apoio.

Após terminar minha refeição e trocar de roupa, percebi que ainda havia algum tempo livre antes de começar meu turno. Decidi então seguir até a academia da propriedade, que, como era esperado, era muito mais bem equipada do que eu estava acostumado. Realizei um pesado treino de musculação, aproveitando a energia que havia ganho no café da manhã. Depois, tomei um banho rápido e estava prestes a iniciar meu turno quando recebi a informação de que Liza estava em seu ateliê.

O ateliê de arte ficava no meio do exuberante jardim. As paredes eram feitas de vidro, permitindo que a luz do sol iluminasse o espaço de maneira suave e natural. Ao adentrar o espaço, a visão magnífica das flores do lado de fora era a primeira coisa que chamava a atenção, estendendo-se além das paredes transparentes do ateliê. As paredes eram cobertas por obras de arte, uma mais impressionante que a outra, a maioria delas retratava pessoas em meio a natureza. O cavalete principal ficava disposto em frente às paredes de vidro, permitindo que a luz natural iluminasse a tela. Havia uma variedade de tintas, pincéis, espátulas e outras ferramentas disponíveis. O som de música clássica tocava ao fundo em um pequeno rádio e o cheiro de tinta fresca misturava-se com o aroma das flores do jardim. A atmosfera do ateliê era inspiradora e tranquila.

Liza estava em frente a uma tela, completamente absorta em sua pintura. Ela não notou minha presença de imediato, então observei-a em silêncio por alguns minutos. Ela tinha traços delicados e uma beleza natural que a fazia parecer uma obra de arte em si mesma. Seus olhos castanhos estavam fixos na tela, concentrados em dar vida ao que parecia ser uma paisagem exótica. Seus dedos moviam-se com graça entre pinceladas suaves e precisas. Sua expressão era de total concentração, e sua mente parecia longe dali, imersa em seu próprio mundo de cores e formas. Fiquei impressionado e admirado com a habilidade dela e feliz em ver que ela tinha uma paixão que a fazia esquecer-se de tudo o que ela era obrigada a enfrentar, ela merecia isso. Quando Liza finalmente notou minha presença, ela sorriu calorosamente para mim.

— Bom dia, Felipe. Não havia notado que estava aqui. — ela disse. Eu retribuí o sorriso e respondi:

— Bom dia. Cheguei há pouco tempo e não quis incomodar.

Ela respondeu prontamente:

— Imagina, você não incomoda.

Eu olhei ao redor do ateliê, maravilhado com suas pinturas.

— É surpreendente o que você faz. — eu disse. Ela ficou um pouco envergonhada e começou a limpar a tinta das mãos com um paninho.

— Você gostou? — ela perguntou evitando contato visual. Eu não pude deixar de admirar seu trabalho.

— Muito. Você já expôs suas obras em algum lugar? — perguntei.

— Não, eu só pinto para passar o tempo livre.

— Você poderia se quisesse. Você é muito talentosa.

Ela sorriu, mas hesitou.

— Muito obrigada, mas eu não acho que seja para mim.

Me aproximei de um quadro que retratava, com maestria, um edifício que eu identifiquei ser o Palácio de Versalhes e seu jardim. Enquanto o observava, recordei que havia uma pintura muito semelhante em nosso sítio.

— Este quadro é muito parecido com um que meu pai tem. — comentei me aproximando dele.

— Seu pai adorava essa minha pintura e costumava me contar sobre suas aventuras na França quando era mais jovem. Então, decidi fazer um para ele.

— Ele tem um carinho especial por ele. Foi muito gentil de sua parte.

— Fico contente que ele tenha gostado. — ela diz parecendo satisfeita consigo mesma.

Liza alcança os pincéis ao lado da tela que estava pintando e se dirige para a pia a fim de limpá-los. Embora eu a acompanhe em sua casa na maioria das vezes, nunca a vi tão à vontade como agora, o que se reflete tanto em sua expressão facial quanto em suas roupas. Ela usa uma camiseta larga e uma calça de moletom, seu cabelo preso em um rabo de cavalo e está sem maquiagem, porém isso não diminui em nada sua beleza angelical, pelo contrário, a realça ainda mais.

Reparo em um detalhe, enquanto ela fecha as bisnagas de tinta, a gola da camiseta escorrega alguns centímetros e revela em suas costas, o começo de uma cicatriz, fico me perguntando o que pode ter acontecido. Me repreendo por observá-la tão atentamente e me forço a concentrar minha atenção nos quadros ao redor.

Fico me perguntando se ela já visitou as paisagens que reproduz com tanta perfeição. Dinheiro certamente não é um problema, mas considerando as atitudes de seu marido em relação a ela, não sei o que esperar.

Entre o Perigo e a PaixãoOnde histórias criam vida. Descubra agora