Capítulo 17

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Na entrada do apartamento, o eco do meu nome se misturou ao rangido da porta que Alice abria. Seus braços envolveram meu corpo, um gesto de afeto e preocupação. No entanto, um gemido involuntário escapou de minha boca quando seu abraço pressionou minhas queimaduras. Ela percebeu seu erro instantaneamente e pediu desculpas.

— Por que você não me ligou antes? — Sua voz carregava uma mistura de ansiedade e reprovação. — Estava morrendo de preocupação. O incêndio estava por toda parte nas notícias.

— Me desculpe, — suspirei, assumindo a responsabilidade. — Deixei meu celular no carro e fui para o hospital com outro segurança.

Seu olhar cortante atravessou-me como uma lâmina afiada.

— E você não podia ter conseguido emprestado um celular no hospital, pelo menos para me avisar que estava vivo? — A acusação em suas palavras era evidente. — Se não fosse seu pai ter conseguido falar com um tal de Michael, eu teria ficado sem notícias suas até às 17h. Poderia ter até pensado que você já estivesse morto nessa altura.

— Eu errei. — admiti, envergonhado por minha falha. — Estava com muita coisa na cabeça, ainda abalado com tudo o que tinha acontecido.

Ela assentiu, mas a tensão ainda pairava entre nós.

— Como você está? — Sua voz era mais suave agora. — Como o incêndio aconteceu?

— Estou bem. — respondi, buscando acalmá-la. — O incêndio já estava acontecendo antes de eu chegar. Eu entrei para tirar Liza de lá.

— Não posso acreditar que você arriscou sua vida dessa forma. — disse ela, sua voz carregada de preocupação e reprovação. — Ainda bem que você não está mais nesse emprego. Essa sua mania de salvador da pátria coloca você em perigo. Quem sabe que outros perigos você teria enfrentado lá.

— Se algo terrível acontecesse, eu não conseguiria me perdoar por não ter tentado salvá-la. — confessei.

— Existem bombeiros para lidar com isso, sabia? — ela retrucou. — Eles estão preparados e tem equipamentos para esse tipo de situação. Olhe só o que você fez consigo mesmo. — Seu dedo apontou para os meus curativos.

— Podemos não discutir, pelo menos hoje? — pedi, exausto com a carga emocional do momento.

Ela concordou com um aceno de cabeça, seus lábios formando um pequeno biquinho em um gesto de compreensão, enquanto movia as sobrancelhas em um sinal de compaixão.

— De qualquer forma, graças à Deus tudo isso acabou. — ela murmurou, tentando encontrar algum consolo na situação. — Você nunca mais precisará ver nenhum deles de novo.

— Na verdade, com tudo isso, eu não assinei o contrato de demissão. — a corrigi.

— Ah não, já chega! Peça para eles te mandarem por e-mail. Essa família só nos traz problemas. — ela reclamou, perdendo a paciência.

Para desviar o foco da conversa, propus:

— Podemos pedir algo para jantar? Estou exausto para cozinhar qualquer coisa.

— Posso fazer a janta hoje. — ela se ofereceu.

Olhei incerto para ela, ciente de que sua intenção era apenas ajudar. No entanto, sei que a culinária não é exatamente o seu ponto forte. Suas tentativas muitas vezes resultam em uma panela queimada, algo extremamente salgado ou uma refeição sem gosto.

— Tem certeza? Você deve estar cansada. — comentei.

Alice cruzou os braços, desafiadora.

— Você não gosta da minha comida? Pode falar a verdade.

— Não, não é isso. — respondi, mentindo para não magoá-la. — Só estou pensando em você. Se quiser, pode fazer.

Ela pegou o telefone e acabou pedindo pizza para nós, uma solução que nós dois sabíamos ser mais segura e satisfatória.


No dia seguinte, ao verificar minha caixa de entrada, uma notificação chamou minha atenção. Rapidamente, abro o email para descobrir que se trata de uma das vagas para as quais havia me candidatado, e, para minha surpresa, é uma das que mais desejo. O departamento de Recursos Humanos me perguntava se eu estaria disponível para uma entrevista online ainda naquela tarde, despertando muitas expectativas dentro de mim. Respondo prontamente, confirmando minha presença.

Ansiando por notícias sobre Liza, decido enviar uma mensagem para Michael, pedindo qualquer informação que ele possa ter. Sinto um aperto no peito quando ele responde que não tem novidades.

Dirijo-me à cozinha e preparo um café forte na esperança de levantar o ânimo. Sirvo-o com os ovos mexidos que já havia preparado. Depois, visto minha roupa de treino com a energia esgotada de quem já enfrentou batalhas demais. Pego meus fones de ouvido, mas as músicas não parecem mais capazes de amenizar o peso que carrego.

Na academia, após correr na esteira e fazer alguns exercícios de musculação decido praticar boxe. Caminho até o canto onde as luvas estavam, e com um movimento brusco, prendo o saco de pancadas no gancho. Os primeiros socos ressoam no ar, expressando minha dor e indignação. Mas um não é o bastante. Nem dois. Perco o controle, deixando-me levar pela crescente fúria que fervilha dentro de mim.

As queimaduras em meu braço latejam com intensidade, mas ignoro a dor. A música alta nos meus ouvidos alimenta minha determinação em continuar. Penso em toda a injustiça que permeia minha vida, a vida de Liza, e especialmente, em Jack.

Penso em Jack, na arrogância estampada em seu rosto, em sua postura soberba e no poder que ele exerce de forma opressiva, machucando Liza tanto fisicamente quanto emocionalmente. A ira cresce dentro de mim como uma chama. A cada soco, libero a raiva reprimida, sentindo meu corpo tremer com a intensidade da emoção.

Continuo a golpear o saco de pancadas com toda a minha força, até as minhas mãos ficarem dormentes, sem sentir o próprio estrago que causam. Só quando não consigo mais suportar, lanço as luvas ao chão com um gesto brusco. Ainda estou inundado por um misto de emoções: raiva, tristeza, desespero e medo. Me sinto tremendo e exausto, mas, mais do que tudo, me sinto impotente.

De volta ao meu apartamento, tomo um banho, tentando fazer com que a água lave as tensões que me consumiram na academia. Após almoçar, aguardo com apreensão a chegada do horário marcado para a entrevista.

A entrevista transcorreu bem. Eles perguntaram sobre minha escolha pela engenharia civil, os projetos e desafios no meu emprego anterior, e como eu poderia contribuir para a construtora. Também destacaram que precisavam de alguém com urgência e garantiram que eu receberia uma resposta rápida se fosse aprovado para a próxima etapa.

Embora tenha prometido ao meu pai que tiraria um tempo para cuidar de mim, sinto que não posso deixar escapar essa oportunidade. Esta é uma das maiores construtoras do país, e fazer parte dela me motivaria a seguir em frente, mesmo que isso signifique abrir mão de um tempo para mim mesmo, eu tinha de tentar.

Quando a noite chegou, só queria descansar. Alice e eu nos sentamos no sofá para assistir a uma série que começamos há muito tempo, mas nunca continuamos por causa das circunstâncias. No entanto, o cansaço venceu Alice, que dormiu na metade do episódio, me deixando sozinho na frente da tela.

Em um intervalo entre os episódios, decidi checar meu celular, esperando por qualquer notícia que pudesse trazer um pouco de alívio. Foi então que vi uma mensagem de Michael, trazendo palavras que reavivaram minha esperança. Liza estava melhor, havia despertado e em breve receberia alta. Uma onda de alívio e gratidão inundou meu ser, era como se o peso do mundo, que parecia tão esmagador, tivesse sido gentilmente levantado dos meus ombros, permitindo-me respirar profundamente.

Entre o Perigo e a PaixãoOnde histórias criam vida. Descubra agora