Capítulo 29

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Horas se passaram, e Liza permanecia reclusa no quarto de hóspedes que escolhera para se abrigar desde o acontecido. Ao ouvir passos ecoando pelas escadas, meu coração começou a acelerar. Infelizmente, meus temores se confirmaram quando reconheci os passos como sendo os de Jack, que retornava do trabalho.

— Felipe, que bom te ver. Aproveitou as férias? — sua voz soava casual, como se aquele fosse apenas mais um dia comum para ele. Era como se ele vivesse em um mundo paralelo, onde o sofrimento de Liza não passava de uma sombra insignificante em sua realidade, como se provocar a destruição dela, pedacinho por pedacinho, não lhe afetasse em nada.

Meu maxilar se contraiu involuntariamente enquanto eu apenas assentia com a cabeça. Por dentro, porém, minha mente fervilhava com imagens de vingança, uma mais sombria do que a outra. Ele não fazia ideia de que naquele momento eu estava imaginando diversas formas de acabar com sua vida com as minhas próprias mãos.

Ele desviou o olhar para o extravagante relógio em seu pulso, como se o tempo fosse seu único compromisso e com uma atitude despreocupada, colocou a mão na maçaneta da porta do quarto onde Liza estava.

— Ela está dormindo. — tentei intervir. Na verdade, eu não sabia se ela estava dormindo, mas não custava nada tentar, na esperança de que isso pudesse impedi-lo de se aproximar dela.

Jack me encarou por alguns breves segundos, como se ponderasse sobre a minha sugestão. Então, virou-se novamente para a porta e a abriu, ignorando completamente minha informação.

— Meu amor, está na hora do jantar. — ele anunciou com uma falsa doçura, sua mão ainda na maçaneta. A resposta de Liza, se houve alguma, foi proferida em um tom tão baixo que não pude ouvir.

— Vai me deixar sozinho? — sua voz soava ligeiramente decepcionada, mas ainda descontraída. — Tudo bem, então.

Apesar da preocupação que sentia por ela, uma pontada de satisfação surgiu em mim ao perceber que Liza havia acabado de negar um de seus pedidos. Jack se afastou, dirigindo-se pelo mesmo caminho por onde veio, e o corredor pareceu se esvaziar de um peso insuportável com sua saída.

Algum tempo depois, Dona Vera surgiu, ainda visivelmente abalada. Seu rosto carregava uma expressão que doía ao olhar. Ela caminhou até mim e fui de encontro à ela.

— Ela não saiu do quarto hoje. — começou a explicar, revelando sua preocupação. — E não comeu nada desde a manhã. Por favor, faça com que ela coma alguma coisa.

Assenti com a cabeça, compartilhando o mesmo sentimento de angústia que estava estampado em seu rosto. Senti um aperto no peito por não estar presente quando Liza mais precisava.

— Lamento muito por não estar aqui. — murmurei para a senhora, minha voz tomada pela culpa. — Eu nunca...

Antes que eu pudesse terminar, ela me interrompeu, os olhos marejados de lágrimas ao colocar a palma da mão enrugada sobre meu peito.

— Eu sei, eu sei. Você é um bom rapaz. — disse com um sorriso triste.

Nenhum de nós tinha coragem de abordar o que aconteceu. Meus lábios começaram a tremer sutilmente, mas eu lutava para manter aquelas lágrimas contidas, decidido a permanecer forte. Eu ansiava pelo momento de arrancar a raiz do problema, de pôr um fim ao sofrimento de Liza de uma vez por todas.

A senhora se despediu de mim, dizendo que já estava indo embora, mas que voltaria amanhã cedinho para ver como ela estava.

Perto das 23h, Jack retornou ao andar dos quartos, acompanhado por Michael. Seu rosto exibia a habitual indiferença, como se estivesse completamente alheio ao caos que se desenrolava ao seu redor. Ele adentrou seu quarto sem sequer nos lançar um olhar, fechando a porta atrás de si de forma decisiva.

Entre o Perigo e a PaixãoOnde histórias criam vida. Descubra agora