Tomei meu banho calma e lentamente, aproveitando ao máximo a água quente. Como eu sentira falta isso! Tentei não pensar em nada enquanto a água caía sobre mim e eu fazia o meu ritual de cuidados que há muito já estavam esquecidos.
Mas sentada à cama, observando as minhas coisas prontas e roupas organizadas metodicamente no meu guarda-roupa, em uma tentativa de não pensar em tudo o que corroía meu cérebro nesse momento, eu não conseguia não pensar na estranheza de toda a situação.
Meu pai estava louco. Ou fingindo para se safar de uma situação complicada para ele por conveniência. Também por conveniência, tendo consciência ou não, ele me deixara sozinha em Boston por minha conta, quando prometera me proteger do mundo enquanto vivesse, ele fizera exatamente o contrário. Isso me abalava, e demais.
Outra coisa, que eu evitara ao máximo pensar sobre, foram os meus pesadelos. As sombras.
Suspirei e balancei a cabeça. Não pensaria mais sobre isso, aquilo-que-eu-sei-o-quê. A coisa-inominável-do-mau não iria me acompanhar até a fazenda, nem na inconsciência, nem na consciência. Eu não permitiria.
Uma batida à minha porta me despertou de meus devaneios e eu a encarei.
_Milla, sou eu, querida, Bridget. Eu queria saber se você tem um tempinho para conversarmos.
_Claro. – Eu disse me vendo sem escolha.
Bridget abriu a porta, espiou para dentro com um sorriso pequeno e entrou em meu quarto.
_Eu gostaria de saber se... – Ela hesitou por um instante e me lançou um sorriso nervoso. _você gostou de mim.
Não pude evitar sorrir.
Ela se aproximou mais e se sentou à beirada da minha cama.
_Você aprova eu me casar com o seu pai? – Ela perguntou em sua voz delicada.
_É claro, é claro que eu aprovo. - Eu disse honestamente. _Eu não tenho como não aprovar, você parece ser uma ótima pessoa, é tão doce e simpática. Meu pai merece alguém. – Engoli em seco ao pensar que talvez ele não merecesse Bridget, e que o caso fosse de Bridget ser boa demais para ele.
Depois de mais um pouco de conversa, com Bridget claramente aliviada e mais confortável, ela me deixou só em meu quarto. Eu agradeci mentalmente por enfim poder estar sozinha. Não quis ser ingrata com Bridget, muito pelo contrário, mas ela mesma pareceu ler minhas necessidades e me deu um momento para mim mesma.
Eu estava visivelmente cansada, por conta de tudo o que acontecera ultimamente, e também por conta da minha recente descoberta e minhas desconfianças a respeito de meu pai. Afinal, qual era de fato o plano dele? Se ele queria que eu voltasse não podia simplesmente me pedir?
Bufei em frustração. Por que tudo tinha de ser tão complicado?
Acomodei-me entre as cobertas e forcei um estado de inconsciência através do controle da respiração, eu precisava finalmente descansar e ter a minha merecida noite de sono.
Morte. A palavra pairava no ar com tanta intensidade que me sufocava.
Morte me cercava. Terror me cercava.
Eu tremia incontrolavelmente.
Eu estava congelada, até o interior dos meus ossos. O frio cortava a minha carne.
A Floresta me cercava, em seu modo congelado e silêncio perturbador.
Olhei ao meu redor e meu coração poderia saltar do meu peito quando localizei o já familiar montinho não muito distante.
Tentei desviar o olhar, tentei correr dali, mas ao invés disso aproximei-me involuntariamente. O pavor me atingiu antes de eu localizar os já familiares olhos vidrados e o sangue seco coagulado no rosto retorcido em uma máscara de medo do mais profundo possível.
Continuei a encarar aqueles olhos, sem poder desviar o olhar. Cada vez mais um pavor frio tomava conta de mim. Pânico, em sua forma mais bruta.
E então lentamente eu fui forçada a me aproximar cada vez mais da figura, como se estivesse agachada ao lado da figura, meu rosto parado a centímetros de distância. Sua forma me pareceu cada vez mais familiar e um grito agudo de terror tomou o céu.
Me acordei tremendo incontrolavelmente com lágrimas frias escorrendo pelo meu rosto.
Não, não podia ser.
Eu me balancei para frente e para trás, para frente e para trás.
Aquela figura se parecia muito comigo, mas não era eu, o que só podia significar uma coisa: minha mãe estava morta, muito morta, mas estava nos meus pesadelos.

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SOMBRAS I
FantasyVivendo sozinha em Boston, tentando fazer uma vida para si mesma, ela tenta ignorar o frio na espinha e o terror cada vez que cai na inconsciência: Milla está sendo atormentada por pesadelos cada vez mais recorrentes, e cada vez mais reais. Sua vid...