Capítulo 34

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A fumaça negra desprendeu-se do corpo inerte, todavia, não foi embora imediatamente. Ao invés disso, ela veio em minha direção e circulou em minha volta, e só depois disso desapareceu noite à fora. Eu entendi o gesto como uma ameaça. E então foquei o meu olhar no que se apresentava diante de mim.

A visão não era nem um pouco realista. Havia um corpo feminino, dentro de um dos vestidos de noiva mais lindos que eu já vira, branco e rendado, com pérolas bordadas ao longo de todo o decote, justo na parte superior do corpo, e solto na parte inferior. Mas o vestido não estava mais tão glorioso como inicialmente fora, sangue arruinava a bela obra que ele tinha sido. O sangue se espalhava pelo busto e manchava parte do colo, também haviam pingos aleatórios ao longo da saia. Além do mais, a cabeça encontrava-se à parte do corpo, caída a um metro e pouco de distância do mesmo; ela mais parecia um emaranhado confuso de fios de cabelo escuro do que uma cabeça em si. Se eu não soubesse o que era, teria achado que era uma espécie esquisita de animal. Os membros da noiva estavam em uma posição tão anatural que ela mais parecia uma boneca de pano do que um corpo humano.

Se eu tivesse de dar um nome para essa pintura monstruosa, eu a chamaria de A Morte da Noiva.

Mas o mais irreal de tudo, era que a cena se passava na sala da minha casa. O corpo estava jogado sobre o tapete marrom, ornado em amarelo, que meu pai comprara para a fazenda quatro anos atrás, quando eu sem querer derrubara uma jarra de suco de uva sobre o antigo e o arruinara completamente.

Para completar a cena, mais sangue se juntava à pintura, encharcando a outra extremidade do tapete. Sobre o sangue achava-se outro corpo caído, este vestido em um elegante fraque, uma mini rosa branca amassada pendia do bolso no peito. Este corpo permanecia com a cabeça grudada onde deveria estar, no entanto os olhos estavam vidrados para o alto e quase toda a extensão da camisa branca estava coberta por sangue vermelho e molhado. As pernas do noivo estavam estranhamente dobradas, fazendo-o parecer errado. Não havia como aquela posição ser confortável, e não era mesmo. Mas o homem estava morto demais para conseguir mexer-se e mudar sua posição para uma mais agradável.

Com a cabeça girando, tropecei desde a entrada da sala, até o segundo corpo, caindo de joelhos ao seu lado, mais uma vez ajoelhada sobre uma poça de sangue. Agora o sangue já não estava tão quente.

Eu não sabia o que fazer, o homem estava inquestionavelmente morto, mas ele não podia estar. Não podia, não podia.

Antes que eu percebesse, lágrimas encharcavam o meu rosto, e eu já não tinha consciência se elas eram quentes ou geladas como o sangue sobre o qual eu estava de joelhos.

_Pai! – Engasguei ao pronunciar a palavra, dentro de um choro sofrido. _Pai, acorda. – Sussurrei. Mas sussurrei porque eu não tinha mais forças para gritar.

Segurei o seu rosto entre as minhas mãos e carinhosamente repeti.

_Acorda, paizinho. Acorda.

Senti, então, uma mão pousar em meu ombro. Levantei meu olhar até encontrar o de Flynt. Eu não conseguia ler a sua expressão direito, era como se estivesse pesaroso, mas seus olhos brilhavam de uma forma alegre. Mas isso não fazia sentido, e pensar a respeito em busca de uma resposta coerente estava começando a me dar dor de cabeça. Então desisti e passei a analisar a sua parte física. Seu cabelo negro estava grudado à testa, que se apresentava úmida. Seu rosto estava escurecido e brilhante de suor, como se tivesse acabado de atravessar um incêndio. Uma ideia a respeito disso brincou em minha mente, mas não consegui segurar, desapareceu tão rápido quanto veio. Em sua camisa branca, grudavam-se pedaços de fuligem negra, quase tão preta quanto a gravata borboleta que ostentava em seu colarinho.

_Milla, – Ele disse meu nome com sua voz aveludada, calma e tranquilizadora, mas a pena e a tristeza tremularam por trás dela. _ele não vai acordar.

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