Nos cinco dias seguintes a minha rotina foi a mesma: corrida pela manhã, técnicas de defesa, trabalho de equilíbrio, Flynt fazia eu me pendurar feito um macaco nas árvores, abdominais, flexões e barra – que no caso era um galho reforçado de uma das árvores de nosso vasto jardim. Para as refeições, Flynt e eu preparávamos alguma comida pronta.
Durante a tarde Flynt saía para resolver seus "negócios". Ele me explicou que era como ele arranjava dinheiro para nos manter, mas preferia não me contar os métodos. Eu disse que, contanto que ele não roubasse, para mim estava tudo bem. Eu gargalhei. Flynt permaneceu sério. Desde então não tocamos mais no assunto.
Enquanto Flynt estava fora eu treinava com o saco de pancadas até meus dedos sangrarem. Era um exercício bastante relaxante. Pelo menos consumia a minha raiva.
Quando voltava, Flynt me dava uma espécie de introdução de lutas, visando o básico de uma forma geral. Eu já aprendera um pouco de boxe e muay thai.
Mas nesse dia eu pedi a Flynt para comprar comida de verdade.
_Você sabe cozinhar? – Ele perguntou com interesse. Aparentemente eu não era a única que estava farta de comida pronta.
_Eu morava sozinha, precisei aprender. Não que eu já não soubesse antes. – Sorri convencida.
_Então vamos lá. – Flynt disse. _Você compra as coisas de cozinhar e eu arranjo dinheiro.
Ergui uma sobrancelha.
_E como o senhor vai fazer isso?
_Não é da conta da senhorita. – Abri a boca para retrucar, mas Flynt acresceu rapidamente. _Vamos logo.
Nem contestei, mesmo que Flynt estivesse tão enjoado quanto eu com o que estávamos comendo, ele podia mudar de ideia caso eu fizesse algum comentário engraçadinho. E minha língua estava coçando pra dar uma resposta espertinha.
Flynt me deixou no supermercado, e então seguiu para realizar os seus negócios. Fiquei realmente tentada a segui-lo, mas isso significaria sacrificar refeições de verdade por sabe-se lá quanto tempo.
Escolhi muitas coisas: massas, verduras, frutas, ovos, arroz, latinhas de feijão. Aproveitei também e comprei sucos além de refrigerantes. E sal, bastante sal.
Flynt veria todo o peso que eu tinha que carregar como oportunidade para me fortalecer. Tentei ter a mesma visão que ele.
Felizmente o percurso de volta ao galpão não era tão longo. Caminhei relativamente rápido, costurando entre esquinas e pessoas, apressando o passo quando tinha de atravessar alguma faixa de segurança.
Quando cheguei à parte da cidade que era naturalmente mais deserta, notei passos pesados detrás de mim. Alguém estava me acompanhando há um bom tempo. Mudei de rumo para seguir na direção oposta ao galpão, não queria levar essa pessoa, quem quer que seja, até lá.
Os passos estavam cada vez mais perto, então arrisquei uma olhadinha para trás. O bêbado idiota!
Respirei fundo. Ele tinha uma questão pessoal comigo, não iria desistir facilmente. Eu não conseguiria correr com as sacolas sem deixar que alguma coisa caísse. Flynt não estava ali dessa vez, era tudo por minha conta. Larguei as sacolas no chão e me virei para encará-lo.
_Olá gracinha, desacompanhada hoje?
Mantive-me tão firme que foi até assustador, até mesmo sorri. Um sorriso irônico, mas eu estava consciente da minha vantagem. Como se fosse novidade, ele estava claramente bêbado. Era desengonçado. E a tipoia em seu braço sugeria que aquele estalo que eu ouvira quatro dias atrás tinha sido uma fratura. Flynt sabia o que fazia, e me ensinou boa parte disso.

VOCÊ ESTÁ LENDO
SOMBRAS I
FantasyVivendo sozinha em Boston, tentando fazer uma vida para si mesma, ela tenta ignorar o frio na espinha e o terror cada vez que cai na inconsciência: Milla está sendo atormentada por pesadelos cada vez mais recorrentes, e cada vez mais reais. Sua vid...