Caminhei ao longo da mangueira, que havia crescido, muito mais do que eu ousara imaginar, e comecei a prestar atenção às divisas de terras, muito diferentes do que eu estava lembrada. Me encaminhei até a cerca que circundava a fazenda, feita de arame e muito pouco visível. Eu podia dizer com certeza de que ela estava pelo menos duas centenas de metros a mais para a minha direita, o que quer dizer que a fazenda aumentara seu tamanho muito significativamente. Isso era realmente estranho, meu pai me contaria se tivesse comprado mais terras, não?
Segui mais adentro, para o fundo da propriedade, ou para onde eu acreditava ser o fundo, porque certamente não estava mais lá.
Contei trinta e uma cabeças de gado durante todo o trajeto. O que me foi infinitamente estranho, a fazenda tinha oito cabeças quando a deixei para morar em Boston. Papai comentara que a fazenda havia crescido, mas havia algo que não estava se encaixando. Como ele conseguira fazer a fazenda crescer? Ele não tinha todo esse dinheiro, como ele o teria arranjado?
Mirei o horizonte e encarei perplexa a falta da bonitinha cerca que eu havia decorado e pintado quando tinha onze anos. Tive de andar até onde eu acreditava que costumava que era o limite antigamente para ser capaz de enxergar a cerca que marcava a divisa de terras neste lado, muitos e muito metros adiante de onde eu estava acostumada. Antes disso, consegui perceber uma dúzia de montinhos brancos e fofinhos. Me aproximei rapidamente. Ovelhas! Mais para a esquerda localizei mais doze. No mínimo vinte e quatro ovelhas! Como ovelhas tinham aparecido aqui?
Fiquei encarando a minha esquerda atônita enquanto mais três bovinos se juntavam à visão. No meu inventário mental já eram trinta e quatro bovinos e vinte e quatro ovelhas. Comecei a procurar por Lucy, minha vaquinha, a que eu costumava ordenhar desde pequena até ir embora, minha confidente de muitas decepções, mas não a vi em lugar algum.
Certo, tinha algo errado, algo de muito errado. Meu pai nunca foi de me esconder coisas, primeiramente porque ele era incapaz de esconder segredos, segundo porque ele confiava em mim e eu sempre fui seu braço direito. Não era natural ele não me contar detalhadamente sobre cada nova aquisição sua, tanto as terras quanto os animais.
E então percebi algo ainda pior: meu pai tinha dinheiro, bastante, pelo menos o suficiente para ter comprado bastante terras. Para ter certeza disso era só olhar para os mais de quatro quilômetros a que se estendiam à minha frente. Sem falar no outro lado da fazenda, que eu tinha certeza de ter aumentado também.
Eu poderia ficar feliz por meu pai ter adquirido tanto em tão pouco tempo; talvez eu até devesse. Não, eu não devia. Meu pai tinha tido dinheiro todo esse tempo, dinheiro suficiente para quitar todas as minhas dívidas, principalmente o aluguel, e me deixara na mão durante todo esse tempo? Esse era apenas um maldito plano dele para me trazer de volta para casa? Me deixar sozinha em uma cidade grande, sofrendo, às minhas custas, tudo parte de um estúpido plano?
Meu pai nunca fora assim! Ele sempre fora amoroso e carinhoso... Mas ele sabia o inferno que eu passara em Boston! Se ele quisesse que eu voltasse não poderia simplesmente pedir? Ao invés disso me fez ficar sofrendo por oito meses! A-b-a-n-d-o-n-a-da. Completamente!
Fiquei imaginado o que teria sido de mim sem Gina. Talvez eu tivesse ficado desamparada o suficiente para fazer alguma besteira... Não, isso não. Nunca, jamais!
Mas ainda assim, meu pai não poderia ter sido tão baixo!
O problema era que quanto mais eu observava a fazenda diante de mim, muito mais o meu pensamento fazia sentido, eu só não queria admitir.
Meu pai me ama, meu pai me ama...
Eu repetia sem parar na minha cabeça.
VOCÊ ESTÁ LENDO
SOMBRAS I
FantasíaVivendo sozinha em Boston, tentando fazer uma vida para si mesma, ela tenta ignorar o frio na espinha e o terror cada vez que cai na inconsciência: Milla está sendo atormentada por pesadelos cada vez mais recorrentes, e cada vez mais reais. Sua vid...