Encarei Flynt e ele estava com a boca levemente aberta em surpresa. Ele desviou o olhar do guarda-roupa para mim.
_Você sabia disso?
Balancei a cabeça negativamente.
_Me dei conta há pouco tempo. Eu não tinha notado o retângulo no fundo do roupeiro até hoje de manhã.
Leo se aproximou de nós e mirou o guarda-roupa.
_Isso é... Isso é um arsenal? – Ele perguntou em choque.
Engoli em seco e me aproximei da porta de madeira, agora aberta, e, cuidadosamente, passei por ela até o verdadeiro fundo do roupeiro. Era uma pequena peça, não devia ter mais de dois metros quadrados. Ela estava repleta de armas. Havia uma parede inteiramente coberta por espadas. Involuntariamente dei um passo em direção à ela.
Minha mão automaticamente se dirigiu à uma espada bastante semelhante a que eu usara durante meu treinamento e também ontem à noite. Eu não vira mais aquela espada e não queria vê-la nunca mais. Não depois do que eu fizera com ela.
Embora fosse semelhante à minha antiga espada, a que estava de diante de mim era infinitamente mais bonita. Deslizei meus dedos desde o delicado cabo de prata com insinuações de asas angelicais até a extensão da lâmina, onde encontrei entalhes de letras.
Aproximei o rosto para ler o que estava escrito na lâmina, logo abaixo do cabo. As letras C. R. J. eram seguidas pela palavra Mercy. Levei um segundo para compreender.
_São as iniciais da minha mãe. – Sussurrei encarando as letras. _Christine Regina Jolt. – Jolt era o seu sobrenome de solteira.
_Essas armas... – Leo que estivera analisando o arsenal durante todo o tempo comentou surpreso. _São armas de caçadores.
Ainda com os olhos na espada de minha mãe, uma lembrança tomou minha mente. Havia um lindo e longo cabelo loiro, um sorriso brilhante e uma voz melódica. Você nasceu pra isso... Você nasceu pra isso meu amor, você vai tornar o mundo um lugar melhor. Mas nunca se esqueça de ser feliz.
Meus olhos se encheram de água e minha garganta se tornou embolada de repente. Em uma prateleira, em outra parede, estavam alguns livros. Me aproximei um pouco mais deles. Percebi então que não eram livros. Diários.
Devia haver pelo menos duas dúzias de diários naquela prateleira. Alguns pareciam ter apenas alguns anos, mas os do início da fileira pareciam ser muito, muito antigos. Peguei o último diário, que parecia ser o mais novo de todos, e limpei a poeira de sua capa. Deslizei os dedos pelas letras que formavam o nome JOLT na parte central acompanhada da inscrição Mercy logo abaixo.
Flynt se aproximou de mim e pegou um dos diários da prateleira enquanto eu analisava o que eu tinha em mãos.
_Mercy. – Sussurrei abrindo-o. Na contracapa estava escrito "Este diário pertence à Christine R. Jolt, a Mercy, nonagésima sexta geração da respeitada família Jolt, terceira casa original de venadores.".
Eu não conseguia compreender o que aquelas palavras significavam, apenas que minha mãe era a dona daquele diário. Mercy. Esse deveria ser seu codinome.
_São diários de caçadas! – Flynt exclamou atrás de mim. Virei-me para encará-lo e ele segurava um dos diários mais antigos. Estava aberto. _Da terceira casa original. Da família Jolt. – Ele ostentava uma expressão assombrada. Seus olhos se desviaram do livro em suas mãos para focarem em Leo que lhe encarava da mesma forma.
Baixei meu olhar para o diário em minhas mãos e encarei o nome de minha mãe mais uma vez. Diários de caçada. Folhei rapidamente as páginas, apenas o suficiente para confirmar as minhas suspeitas.
Minha mãe era uma caçadora. Minha mãe era uma caçadora de demônios.
_Minha mãe era uma caçadora. – Repeti em voz alta. Levantei meu olhar pra encarar Flynt e Leo que estavam agora à porta da pequena peça com um dos outros diários em mãos. _Minha mãe era uma caçadora de demônios. – Balancei a cabeça voltando meu olhar para o diário e folheando de volta até a primeira página. _O que significa... o que significa "terceira casa original de venadores"?
_Venadores é o nome antigo e formal atribuído aos caçadores de demônios. – Foi Leo quem respondeu à minha pergunta. _Existiram sete famílias originais de venadores, descendentes diretos dos primeiros sete caçadores de demônios, e que formam as sete casas originais. A família Jolt é a terceira casa original, fundada pelo terceiro venador. Isso remonta à Antiguidade.
Balancei a cabeça tentando compreender as palavras de Leo. Isso significava...
_Milla, – Flynt começou. _você é membro de uma das casas originais. Você é parte de uma das famílias mais respeitadas e honradas de caçadores.
Encarei-o com olhos muito grandes, certamente. Eu era parte de algo que eu nem conseguia compreender. A única coisa que eu conseguira compreender perfeitamente era que minha mãe era uma caçadora vinda de uma família de caçadores de demônios. Isso significava que era algo que estava no meu sangue.
_Milla! – Flynt me chamou novamente depois de alguns instantes. Percebi apenas naquele momento que eu estava abraçada ao diário de minha mãe, a capa pressionada contra o meu peito, e os meus olhos focados na espada com adornos de asas prateadas. Olhei para Flynt e segui seu olhar. Leo segurava uma caixinha de veludo preto, mais ou menos do tamanho de minha mão aberta.
Larguei o diário, ao qual me agarrava tão avidamente, sobre a prateleira em que ele previamente se encontrava e peguei a caixinha das mãos de Leo. Hesitei por um instante antes de abrir, imaginando que pequeno tesouro me aguardava em seu interior. O que encontrei passou longe de decepcionar a minha exigente imaginação.
Sobre a almofada de veludo da caixinha jazia um colar. A correntinha era de prata, assim como o exterior do pingente que maravilhava meus olhos. Na parte superior de uma delicada esfera, havia um par de asas angelicais; na parte central, um cristal negro, imperiosamente ostentado.
Com um suspiro involuntário, segurei o pingente entre meus dedos. Ele era pouco maior que minha polegada. Ao girá-lo, deparei-me com uma inscrição na parte de trás. A letra J estava escrita em uma delicada e floreada caligrafia.
_É lindo! – Exclamei encantada, minha voz mal passando de um sussurro.
_É seu. – Flynt disse sobre meu ombro. Virei-me para encará-lo. _Parece que você tem uma bela herança de família, Milla.
Desviei meu olhar para o colar entre meus dedos. Você nasceu para isso. Acariciei as costas do pingente em minhas mãos e então levantei o meu olhar para a espada pendurada na parede que lhe parecia fazer conjunto e então para os diários na prateleira da parede ao lado. Meu coração encheu-se de um sentimento que ele mal parecia ser capaz de suportar, como se uma doce chama tivesse se acendido e agora queimava ternamente no interior de meu ser.
Ela me chamava e eu compreendia seu chamado. Meu ser ansiava por seu chamado. Eu finalmente compreendia o meu dever. Meu destino. Eu nascera para isso. Estava no meu sangue. Eu nascera para ser uma caçadora, assim como minha mãe fora. Essa era minha herança de família.
_Sim. – Concordei. _Eu tenho.
FIM
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SOMBRAS I
FantasiVivendo sozinha em Boston, tentando fazer uma vida para si mesma, ela tenta ignorar o frio na espinha e o terror cada vez que cai na inconsciência: Milla está sendo atormentada por pesadelos cada vez mais recorrentes, e cada vez mais reais. Sua vid...