Capítulo 30

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No dia seguinte, Flynt saiu por volta de umas dez horas da manhã para comprar comida. Precisávamos repor nosso estoque, ainda mais com Leo aqui.

Não pude evitar pensar que, muito provavelmente, aquela comida toda nunca seria consumida por nós. Quando não voltássemos, talvez algum gato afortunado, ou um grupo de ratinhos de muita sorte, a encontrasse e se empanturrasse com ela. Mas não nós. Nossas chances de não voltar e de não usufruirmos de toda aquela comida não eram apenas grandes, mas quase certezas.

Leo ficou de único responsável pelo meu treinamento. Tornou-se bastante claro pra mim, depois de uns dez minutos, a aptidão dele para o tiro. Em completo oposto a mim, ele conseguia acertar exatamente o centro do alvo de uma distância média de trinta metros. Fiquei de boca aberta. Nem Flynt, que era perfeito em tudo o que fazia e não tinha duas costelas quebradas, conseguia acertar tão no centro do alvo em metade da distância.

_Quando se treina a vida toda, isso se torna natural. – Leo respondeu à minha expressão de espanto.

_Desculpa, é que tive dezenove anos de perda de tempo. – Disse assim que recuperei a capacidade de articular o maxilar.

_Não acho que tenha sido perda de tempo. – Leo disse mirando, e acertando, logo em seguida, com perfeição, o exato ponto central do alvo, pela nona vez seguida. _Você pôde viver uma vida.

Pude perceber que ele guardava um amargo ressentimento em relação à sua criação.

_E você não pôde? – Eu não estava apenas curiosa, eu tinha uma necessidade de real de saber aquilo. Como havia sido a criação de Leo e Flynt?

_Desde que nasci, minha vida é caçar e matar demônios. Eu vivo exclusivamente para esses cretinos. – Três tiros seguidos, um atrás do outro. Todos perfeitos.

Leo parou para recarregar a arma. Balas de cristais de sal seriam um desperdício.

As balas de cristais de sal eram balas aparentemente normais por fora, mas tinham cristais de sal em seu interior. Eram equipadas com um mecanismo que lhes permitia explodir assim que penetrassem o alvo, liberando com extrema força os cristais de sal de seu interior.

_Assim que comecei a engatinhar meu pai me deu instruções iniciais de como segurar uma arma. – Ele mirou. Mais um tiro perfeito para a coleção. Leo deu alguns passos para trás.

_E a sua mãe? – Perguntei observando tudo ainda no mesmo lugar em que estava inicialmente, a uma distância segura de quase dois metros, à direita de Leo.

_Não sei. Nunca a conheci. Meu pai e meu irmão nunca falaram dela na minha frente. Depois de um tempo aprendi a parar de perguntar, meu pai não é muito adepto a perguntas que não quer responder. – Leo engoliu em seco com alguma lembrança que teve da infância. Podia garantir que não foi das mais agradáveis. Pelo menos não pela forma que Leo cerrou o maxilar e deu dois tiros seguidos e precisos.

_E seu irmão? – Perguntei depois de segundos de silêncio, lembrando algo que Flynt comentara um tempo atrás.

_Nunca fomos muito próximos, tínhamos vinte e dois anos de diferença entre nós. Ele não morava com a gente. Era casado e morava com a esposa. Fazia visitas uma vez a cada três ou quatro meses. Sempre ia sozinho, acho que não queria que a família nos conhecesse. Eu não o culpo. Nosso pai não é do tipo que tem jeito com crianças.

Leo parecia guardar bastante rancor do pai. Mas era incrível o fato de que cada vez que seu maxilar ficava mais apertado, melhor a sua mira ficava. Ele recarregou a arma e foi ainda mais pra trás. Deu seis tiros seguidos sem piscar. Todos perfeitos.

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