Nos próximos cinco dias a minha rotina foi acordar às seis da manhã, sair para correr, voltar, tomar um banho e ir trabalhar. Depois do trabalho eu fazia exercícios de força, abdominais, flexões e repassava os golpes no pequeno espaço que eu tinha no meu quarto. Depois eu saía para correr mais uma vez e voltava só às dez da noite, quando eu só tinha forças para tomar banho e deitar na cama para dormir. No fim, essa era exatamente a minha intenção. Eu não queria ter de pensar.
Nesta segunda-feira, no entanto, era o meu dia de folga. Aparentemente eu não podia trabalhar sete dias por semana. E nunca pensei que fosse desejar tanto que pudesse.
Eu precisava me manter ocupada todos os minutos do dia, se não o fizesse, meus pensamentos voariam para Flynt e para o meu pai. Questões que eu não estava pronta para resolver.
Então planejei um dia cheio. Acordei às sete, me alonguei e treinei todos os golpes que Flynt me ensinara sem me permitir uma pausa sequer. Só parei para um rápido almoço, e então saí para uma corrida.
Eu forçava meus músculos ao limite, à maior impulsão que minhas panturrilhas fossem capazes e não me permitia parar nem pela dor ou pelos protestos dos meus pulmões. Eu estava no automático. Desviava de pessoas, de postes, de árvores. Corri até chegar ao metrô muito tempo depois.
Quando minhas pernas diminuíram o ritmo, e principalmente quando pararam de vez, minha cabeça girava. Eu flutuava. Minha respiração e os batimentos cardíacos eram só o que eu conseguia ouvir.
Eu amava essa sensação cada vez mais, essa sensação de torpor que não me permitia pensar. Isso era o meu entorpecente, a minha bebida, a minha droga.
Mas a sensação não durava pra sempre. Logo ela passou e eu não tinha condição nenhuma de voltar a correr. Me sentei em um banco e não pensar se tornou impossível. Meu cérebro me bombardeou com todos os pensamentos que eu evitara durante a semana, um atrás do outro, como que por vingança por tê-los reprimido por tanto tempo. E a culpa veio junto. Eu sentia culpa e vergonha por ter sido tão fraca e fugido.
Apoiei os cotovelos nas coxas e segurei o rosto com as mãos. A barulheira, que eu tanto amava, ficou em segundo plano.
Eu tinha que ajudar o meu pai. Mas eu ainda não estava pronta para enfrentar um demônio como Bridget. Eu precisava me preparar melhor. Já Flynt... Eu não sabia o que fazer à respeito.
Respirei fundo e levantei a cabeça, agora apoiando apenas o queixo nas mãos. Foi então que o vi, atrás de uma pequena multidão que se direcionava para o próximo trem. Apenas seu rosto era visível e ele estava distante. Seus olhos me focalizaram e meus músculos tencionaram.
Na mesma hora ele começou a tentar passar pelas pessoas para chegar até mim. Me pus em pé imediatamente e comecei a me afastar rapidamente.
Olhei para trás e vi Flynt empurrando freneticamente as pessoas para saírem do seu caminho. Ele estava se aproximando rápido. Apressei o meu passo. Flynt começou a correr. Comecei a correr.
Eu me esforçava muito, mas não me restara muita energia. Não depois da minha corrida em que eu me forçara ao limite.
Subi as escadas e saí na rua. Levei meio segundo de hesitação decidindo por onde ir. Escolhi a direita, onde o sinal ainda estava aberto para os pedestres. Corri empurrando a massa de pessoas o mais gentilmente possível e pedindo desculpas ao passar.
Uma questão básica de quando se está fugindo, é não olhar para trás enquanto corre. Contudo, não resisti e me permiti olhar para o meu perseguidor.
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SOMBRAS I
FantasyVivendo sozinha em Boston, tentando fazer uma vida para si mesma, ela tenta ignorar o frio na espinha e o terror cada vez que cai na inconsciência: Milla está sendo atormentada por pesadelos cada vez mais recorrentes, e cada vez mais reais. Sua vid...