Nunca me acostumaria com o frio.
Braswey era conhecida por suas praias, por seus portos imensos onde comercializávamos com pessoas de todas as partes, até mesmo de fora do continente. Sempre tive contato com o calor, com a areia da praia e o som das ondas do mar quebrando bem à frente do jardim da casa de minha família. Essa infância recheada com o gosto de verão se tornou a minha memória de conforto em dias difíceis, onde tudo o que eu queria era apenas desfrutar de sentir o vento e observar a maré de longe, simplesmente porque era o que me trazia paz.
O inverno, diferente dessas memórias, não me trazia essa paz tão desejada. Muito pelo contrário.
Meus ossos tremiam conforme quanto mais ao norte viajávamos. Contaram-me que estávamos no meio da tarde, no momento mais quente do dia, mas a sensação que eu tinha era de que estava cada vez mais frio. Dessa vez eu não tinha meus pulsos presos a sela do cavalo que me levava naquela viagem, já que eles julgaram que eu não aguentaria viva duas horas se fugisse e bom, eu precisava concordar. Estamos viajando entre montanhas, seguindo por caminhos estreitos e difíceis. Contaram que a capital de Saron ficava a apenas uma hora de Jiērk e agora eu finalmente sei a resposta para não termos continuado com a viagem ontem.
Dessa vez, eu não estava montada em um cavalo e sendo levada pelo príncipe. Jungwon era quem estava comigo e posso dizer que ele é uma ótima companhia, principalmente porque levou esse pouco tempo em que estamos juntos para me dizer algumas coisas sobre Saron e sua cultura, além de me deixar por dentro de certas informações políticas necessárias como o fato de que Jiērk é uma cidade regida pela Casa Huh, a família que tem uma grande aliança com a realeza de Saron por conta de um casamento arranjado. A tensão política que eu senti na noite anterior durante o jantar, deriva-se porque Yunjin Huh — aquela mulher que me encarou com um olhar mortal já que eu deixei uma bela cicatriz em seu rosto quando éramos mais novas — era a noiva prometida de Heeseung até a alguns anos, quando ele cancelou os planos de casamento e desde então a cidade tem se tornado cada vez mais independente das ordens e supervisão da família real de Saron. Mesmo que não fosse da minha conta, fiquei surpresa quando Jungwon me contou tal fato, mas imagino que não seja o único motivo para Heeseung ter ficado tão em alerta naquele jantar. Com certeza deve haver mais alguma coisa.
Jungwon respondeu algumas perguntas e outras disse que era melhor que um saroniano respondesse para mim, já que ele não era um habitante desse lugar e passou boa parte da vida em Melione. No caso, muito da língua saroniana ele não tem domínio por dizer ser "difícil demais" e muito da cultura ele não entende porque não se aprofundou o suficiente. Tirando isso, soube coisas como o fato de que nem todos os saronianos tem o frio e o gelo como parte de seus dons, em sua maioria, eles invocam elementos da natureza, mas não entendi muito bem o que isso significava. Também soube que é muito comum que os pais enviem seus filhos para templos sagrados dos oito até os quatorze anos para que eles desenvolvam com maestria seus dons e se aprofundem nos costumes e tradições de Saron. São muito avançados em relação a tecnologia, engenharia e arquitetura e também são mestres da ciência. Jungwon disse que muitas coisas eu veria com os meus próprios olhos e outras eu apenas presenciaria.
Só paramos de conversar quando foi necessário ficarmos atentos naquelas montanhas, quando Heeseung desceu de seu cavalo e abriu enormes asas negras para sobrevoar a região e sinalizar se era seguro continuarmos a viagem. Aquilo levou pelo menos quatro horas. A cidade não era distante, mas cada passo naquelas montanhas precisava ser minimamente calculado. Era uma área onde a energia se manifestava de formas diferentes, onde facilmente poderíamos ter alucinações ou sentirmos um certo descontrole quanto os nossos dons.
Isso ficou claro para mim quando chegamos no alto de uma montanha e nos deparamos com um vale coberto por flores. Não qualquer tipo de flores, suas pétalas em feitas de cristais. Essas que refletiam luzes tão fortes que poderiam cegar os olhos de quem as olhasse diretamente, mas isso não era o mais impressionante. Essas pétalas brilhavam exclusivamente porque estavam carregadas de uma energia primitiva que vinha do solo e as alimentava. A luz do dia refletia na neve e já causava desconforto, mas aquele vale era diferente, como se a luz refletisse em diversos cristais de diferentes cores.
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ARCANE | Lee Heeseung
FanfictionMelione era muito mais que uma simples nação isolada de um mundo que já sofrera guerras e destruições há séculos atrás. Melione carregava uma história, um legado, seis famílias e seus pequenos reinos que sacrificaram tudo o que tinham para que a paz...