vinte e três

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Não tinha volta. Eu sabia perfeitamente bem que não tinha volta quando beijei o príncipe herdeiro de Saron na noite passada.

E agora, para a minha desventura, me vi obrigada a compartilhar do mesmo espaço que ele desde o momento em que acordei, até o momento em que foi servido o café da manhã em nossos aposentos, preparando-nos para uma reunião privada com o rei e mais alguns de seus conselheiros.

Pela primeira vez eu desejei que Heeseung evaporasse, simplesmente desaparecesse da minha frente para que eu não precisasse encarar seus olhos e encontrar o arrependimento estampado neles. Porque eu nunca me senti tão humilhada como me sinto agora, nunca me senti tão vulnerável. A lembrança do beijo persistia em minha mente, uma mistura de doçura e amargura que se entrelaçava em cada pensamento intrusivo recheado de sentimentos que faziam meu estômago revirar.

Meu punho se fechou involuntariamente, os nós dos dedos ficando brancos enquanto eu lutava contra o impulso de gritar. Cada pedra deste castelo parecia uma afronta, cada olhar desinteressado uma provocação. Eu precisava respirar fundo para não deixar a raiva me consumir ali mesmo.

Mesmo assim, aquilo doía. E muito.

Decidi fingir que nada aconteceu, porque, bem, meus sentimentos não são exatamente a prioridade agora. O que importa é a guerra que se aproxima, e se eu quiser ter alguma chance de salvar minha nação e evitar mais mortes, preciso me impor. Neste lugar onde até o ar parece querer me sufocar, é essencial que eu faça minha voz ser ouvida por mais difícil que possa ser.

Ergui minha cabeça e enchi minhas feições de confiança e superioridade quando meus pés tocaram o salão onde há a enorme mesa de pedra que simula um mapa desse lado do continente. Fogo prateado iluminou os homens e mulheres presentes e fiquei surpresa ao me deparar com Oriana Sane entre os saronianos. Reconheci alguns rostos. Ali também estavam o príncipe Sunoo, Lady Yunjin Huh e Comandante Saius. Todos estavam próximos ao rei que tinha ao seu lado o General Irash e uma mulher saroniana que não me recordo de ter visto no dia anterior.

Alie ier! — disse Heeseung aos demais, desejando um bom dia.

Tentei mentalmente reproduzir o som gutural no final, mas o olhar penetrante de Oriana sobre mim me fez perceber que eu estava franzindo a testa de forma estranha.

— Bom dia! — disse rapidamente, optando por não tentar o saroniano. Afastei-me alguns passos de Heeseung, posicionando-me frente à mesa.

O rei nos lançou um aceno de cabeça, enquanto os outros apenas se curvaram para o príncipe, ignorando completamente a minha presença. Foram postas ao redor da mesa de pedra cadeiras para cada um de nós, cadeiras que não estavam ali na última reunião e agradeci aos céus por isso porque detestaria ficar em pé durante horas uma outra vez.

Heeseung estava de frente para mim, mas seus olhos estavam no mapa. Notei que a minha esquerda, Oriana se sentou e não trocou nenhuma palavra, focando exclusivamente no rei e no príncipe Sunoo. Brevemente passei os olhos pelos rostos na sala uma última vez antes de o rei finalmente começar a dizer algo e me chamar em seguida.

— Senhorita Relish, espero que tenha tido uma boa noite de sono — disse o rei, sua voz ressoando pelo salão.

Forcei um sorriso gentil.

— Foi uma noite... diferente.

Na verdade, passei a noite chorando e pela manhã busquei neve na varanda para desinchar as olheiras.

— Bom, acredito que seja do interesse de todos aqui comentarmos a respeito de seus dons — seus olhos passaram sobre as pessoas naquela mesa. — Brielin, em sua última visita ao castelo, comentou que pode enxergar além dos planos.

ARCANE | Lee HeeseungOnde histórias criam vida. Descubra agora