vinte e um

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— Você se arrisca demais — ouvi a voz de Sunghoon, que me fez abrir os olhos com rapidez e me levantar de um salto. — Deveria ter dito que não sabia nadar, sua incompetente.

Reconheci imediatamente o local onde estávamos. Era uma tenda ampla, abarrotada de feridos de guerra, permeada por um odor insuportável de carne em decomposição e suor. A atmosfera ali era densa, impregnada pela presença da morte que pairava como um espectro à espreita, ansiosa por reclamar as almas daqueles que não resistiriam.

— Você me jogou daquela ponte, seu maldito — minha voz saiu entrecortada pela dor intensa que se espalhava por minhas costelas.

Sunghoon permaneceu impassível diante da minha acusação, sua expressão revelando uma mistura de preocupação e desafio.

— Você não estava pronta para aquela luta. Precisa sobreviver se quiser algum dia se tornar ministra — sua voz carregava um tom de advertência. — Que bom que está viva.

Cada palavra dele ressoava em meio ao caos ao nosso redor. Os gemidos dos feridos ecoavam pelas paredes da tenda, enquanto eu lutava para recuperar o fôlego e controlar a dor lancinante que pulsava em meu corpo.

Agradeci silenciosamente por ainda conseguir me sentar, mesmo que cada movimento fosse uma batalha contra meus próprios limites. Olhei ao redor, buscando algum indício de esperança naquele cenário sombrio, enquanto as palavras de Sunghoon ecoavam como um lembrete brutal das apostas envolvidas em nosso caminho.

— Quantas baixas? — torcia para que o número não fosse tão ruim.

— Quase trezentas, perdemos vários recrutas na última noite — reparou ele observando ao redor. — Mas vencemos essa batalha e expulsamos os nortistas das terras de Daeho.

— Não vejo como uma vitória — refleti. — Ainda que tenhamos vencido essa batalha, muitos dos nortistas ainda virão para cá e haverá mais sangue e lama em nossas botas. É como se parte dessas crianças tivessem morrido em vão.

Me deparei com o horror de presenciar um garoto que deveria ter uma idade próxima a minha e a de Sunghoon, uma faixa estava sobre sua cabeça, cobrindo seu olho esquerdo e notei que uma de suas pernas estavam amputadas. Ele não era o único daquele jeito, havia outros e mais outros que choravam por suas famílias e oravam aos céus para que conseguissem passar daquela noite.

— A guerra é assim — disse Sunghoon, frio como sempre foi. — As famílias deles serão recompensadas.

— Ouro não traz entes queridos de volta, Hoon — meus olhos encontraram os do meu parceiro. — E batalhas assim precisam cessar em algum momento, ou então perderemos a razão que nos fizeram iniciá-las.

Ou já teríamos perdido. Talvez no momento em que crianças levantaram espadas e se jogaram naqueles campos repletos de morte e dor.

— Pare de choramingar — o Park me segurou pelos ombros. — Engula esse maldito choro e pare de choramingar Calia. Vencemos hoje e o que importa agora é que está viva. Então viva o resto de seus dias até que você vai se sentar naquele trono e tomar decisões chatas. Se esse peso ainda te perseguir mesmo quando chegar lá, use da sua influência para que mais mães não precisem receber a notícia de que seus filhos foram mortos em batalha. Agora não é a hora de ser fraca.

— Você é um idiota — foi tudo que a minha mente conseguiu reformular para dizer.

— Posso ser um idiota, mas sou o único que está tentando não perder a cabeça aqui — tristeza nublou suas feições. — Se justo você, Calia, perder a cabeça e se deixar levar, então a vida de todos que morreram naquele campo de batalha terá sida em vão.

ARCANE | Lee HeeseungOnde histórias criam vida. Descubra agora