Chá e tesoura

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Arfando, eles se olham e gargalham ao chegarem correndo na varanda.

— Você parece um pinto molhado. — implica Ben, tirando o cabelo do rosto.

— Só eu? — retruca de volta, torcendo o cabelo.

— Vá acendendo o fogo que vou pegar água para aquecer. Precisamos sair dessas roupas molhadas — afirma, olhando preocupado para ela. Sai correndo novamente, dando a volta. Hanna torce as saias, entra e acende o fogo. — Meu Deus, Hanna! Você está tremendo. Vá tirando essas roupas que já levo a água.

— Vou pegar outras no quarto e... — Começa para ser interrompida.

— Eu pego! Agora, por favor, vá. — Ela fica envergonhada ao pensar nele mexendo em suas roupas, mas a angústia que vê no rosto dele a faz concordar.

Algum tempo depois, após tomar banho, ela sai para que ele se banhe. Não consegue olhar no rosto dele. Ao mirar em seu peitoral e notar que  retirou a camisa, tem certeza de que seu rosto ficou da cor de um tomate. Para clarear as ideias, faz um chá, pega uma xícara e se senta no sofá, dobrando as pernas e se cobrindo com a manta. O barulho da chuva, o chá quente e a manta a deixaram aquecida e confortável.

— Posso me juntar a você?—  Sem saber como agir depois de tudo, ela balança a cabeça confirmando. Engole em seco a cada passo dele. Seus olhos se arregalam ao ver Benjamin levantar a manta e se sentar ao seu lado, cobrindo suas pernas também.

— O chá foi uma ótima ideia. — elogia, tomando um gole de sua própria xícara. O único som que se escuta é a chuva sendo arremessada pelo vento no telhado. Até que um trovão retumba e raios cortam o céu, fazendo Hanna pular.

— Tem medo de chuva? — ele a olha curioso.

— Não! Só me assustei. — responde e se volta na direção dele — sabia que no dia que fui deixada no orfanato chovia assim? — faz uma pausa e percebe a postura dele mudar. — Se sobrevivi foi por Deus. — conta e vê ele revirar os olhos, mas continua — Amo chuva, é como se ouvisse a voz de Deus me dizendo 'viva'. A chuva traz renovo e vida para tudo.

— Você põe Deus em tudo! Mudando de assunto, pode me dizer o que aconteceu mais cedo para parar em cima daquela árvore? — o riso brinca no rosto dele.

— Fui andar um pouco. Queria ir à represa, mas no meio do caminho avistei um boi imenso. Não ria! — aponta um dedo na direção dele que tosse.

— Não estou rindo. — diz, mas ela percebe o esforço dele em permanecer sério. — Você viu um boi imenso e — levanta o queixo, sinalizando para continuar.

— Eram dois bois enormes — o encara, desafiando a rir — estavam brigando. O barulho que faziam me paralisou. O do meu lado começou a cavar, batendo a pata dianteira no chão. — treme só com a lembrança — tudo que vinha na minha cabeça era a voz de Emma me falando que eles não gostam de vermelho e meu chapéu tinha vermelho. – Benjamin perde a batalha e acaba gargalhando.

— Menina da cidade. — fala ainda rindo e Hanna dá um tapa em seu braço.

— Não ria! Fiquei apavorada. — a voz dela treme e ao perceber Benjamin para de rir — quando dei por mim, estava rodeada de vacas. Desesperada, subi na primeira árvore que vi. Nem sei como.

— Nunca havia subido em uma árvore? — questiona surpreso.

— E claro que não — responde, exasperada, inclinando-se na direção dele.

— Eu disse — afirma ele serio e ela franze a testa, confusa — Menina da cidade! — explica e ri da indignação no rosto dela.

— E as benditas foram parar debaixo da árvore. Parecia que me esperavam. E o tempo começou a fechar para piorar minha situação — a voz oscila — pensei que ia escurecer e...— Fungando, pisca rapidamente, mas as lágrimas descem. O terror de mais cedo a impediu de chorar, porém, agora chorava, não sabia bem o porquê.

Naquela árvore, o medo de descer, de anoitecer com ela ali sozinha… orou, orou e orou e quando Benjamin apareceu, um misto de emoções a bombardeou. Se jogou em seus braços sem pensar e ali se sentiu segura, protegida e cuidada como nunca. E quando ele disse que a encontraria sempre, seu coração pareceu errar uma batida.

— Desculpa! Vem aqui — Benjamin arruma sua postura e a puxa gentilmente para um abraço — está tudo bem, estou aqui com você. — a acalma, porém, dentro dele uma tempestade maior rugia. A proximidade dela mexia com ele. A trouxe para seus braços sem pensar. Lembrava de seu pai fazer isso com sua mãe e sua irmã quando choravam, mas nunca imaginou que seria afetado. Não queria se envolver. No entanto, sem permissão, seu coração se abria. Não podia permitir. Se afasta devagar.

— Sua aventura me trouxe uma lembrança da Sol — um sorriso singelo apareceu no rosto dele — Não me lembro bem o que ela tinha ido fazer, mas subiu num pé de goiaba lá perto de onde você estava hoje e não conseguia descer. Eu e meu pai passamos por lá e a encontramos empoleirada. — a risada dele a emociona. Benjamin balança a cabeça ainda rindo. Leva a mão ao queixo, os olhos perdidos na lembrança.

— como ela desceu? Pergunta curiosa envolvida na história.

— Tive que subir e tirar ela de lá de cima. — a cara que faz e o meio sorriso naquele rosto traz lágrimas aos olhos dela. — o que foi? — pergunta projetando seu corpo para frente. Nos olhos dele a confusão era visível.

— E a primeira vez que te vejo falar do passado sem a sombra de dor nos teus olhos. — constata enxugando as lágrimas que descem insistentes.

— Você tinha razão. Não valorizei as lembranças que tinha. Deixei a dor da perda nublar tudo, mas devagar fui percebendo que as lembranças me faziam bem. E depois da nossa conversa — pega uma mão dela com cuidado, ainda olhando no rosto dela continua. — comecei a trazer as memórias, a minha mente, e por incrível que pareça a dor continua aqui. No entanto, não machuca tanto. Achei conforto nas lembranças. Falar deles — a voz embarga e Hanna aperta sua mão — Manter as memórias vivas é como tê-los aqui, ter uma parte deles aqui.

— Te entendo. Eles sempre estarão com você Ben, em seu coração. Agradeço tanto a Deus por te ver mais leve. — fala docemente, de coração. Constrangido, abaixa a cabeça. Havia falado demais.

O cabelo em seu rosto lhe dá uma ideia.

— Já cortou cabelo? — questiona enquanto se levanta e se põe a procurar a tesoura.

— O quê? — pergunta confusa, enxugando o rosto.

— Achei! — aponta a tesoura na direção dela — preciso que corte meu cabelo.

— Agora? — se levanta perplexa com o pedido repentino.

— Sim. Espere aqui. — busca uma toalha, um pente e pega uma cadeira da cozinha. Sentando, cobre seus ombros com a toalha e a olha.

Embaraçada se aproxima pegando a tesoura. Passa as mãos pelos fios sentindo a maciez por entre seus dedos. A intimidade da situação torna a experiência emocionante, mas não deixando de ser tensa. Seu coração acelera. Teme deixar seus sentimentos expostos.

— Qual tamanho?

— Como fizer esta bom para mim. — sua voz sai rouca.

Vai aparando cacho por cacho, não cortou demais. A delicadeza do ato criou nela uma sensação interna de conexão que desencadeiam uma série de sentimentos intensos. Respira fundo se sentindo vulnerável. No silêncio se dá conta que a chuva já passou. Com um último afago se afasta.

— Acho que terminei. — anuncia baixinho, a voz insegura devido ao tumulto dentro dela.

Benjamin se levanta passando a mão pelas mechas agora curtas e um sorriso de lado aparece o fazendo parecer mais novo.

— Ficou ótimo, obrigado! Dona Elena agora vai parar de implicar comigo. — brinca, fazendo Hanna rir, quebrando a tensão que tinha se formado.

Ela vai para a cozinha preparar o jantar enquanto ele varria a sala.

Um não imaginava o quanto o outro estava perdido. Algo havia mudado entre eles, dentro deles, mas reconhecer a mudança não seria fácil.

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CORRESPONDÊNCIA PARA O AMOROnde histórias criam vida. Descubra agora