Algum ritmo

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"Algum ritmo em comum fez-nos encontrar
Algum ritmo em comum fez-nos conversar"


O matagal farfalha com a quantidade de pessoas andando pelo local, coturnos afundando na lama seca e a única luz do local sendo fornecida pelas lanternas que a equipe utilizava. Um lampejo de luz passa pelo rosto desbotado, Dante observa os olhos sem vida e a boca aberta, um líquido pegajoso escorre pelos lábios, a pele da mulher parece cera e ele sente que quando o IML a pegar, talvez sua epiderme descole da carne. O homem suspira alto, o cheiro de podre do lugar invade suas narinas.

- A delegada vai ficar puta da vida com isso. – Ele comenta com Lima, desviando o olhar do corpo repleto de larvas. – Chama o IML, vamos dar o fora daqui. Fala para Prata fazer o toxicológico, acho que vai dar aquela merda de novo. – Dante instrui Lima, dando de costas para a cena que se desenrola atrás de si.

Quando seus pés voltam a encontrar asfalto, ele saca o celular. Mesmo com o horário avançado, a voz petulante logo lhe cumprimenta.

- Doutora, outra mulher, mesmo padrão. – Ele fala baixo, se afastando da aglomeração de curiosos que começava a se amontoar, indo em direção ao carro prata estacionado.

O homem apoia a mão que não segura o celular na cintura, pedindo paciência a qualquer ser superior enquanto Anita xinga do outro lado da linha, como se Dante pudesse ter impedido o crime de acontecer.

- Acho que é a mesma droga, não tenho certeza. Prata vai fazer o exame. – Ele avisa, girando a chave do automóvel nos dedos.

A delegada desliga abruptamente, mas ele não é estranho a falta de educação da mulher. Se enfiando no banco do motorista e ligando o motor, seu desejo é encerrar o plantão o mais rápido possível.

- Essa merda ainda vai feder tanto. – Seu tom é de reprovação e suas costas deixam a imagem do furdunço do novo corpo encontrado para trás.



Anita deixa o sorriso morrer de seus lábios logo após cumprimentar Verônica e Nelson, e quando a porta de sua sala fecha atrás de si, ela agradece mentalmente. Ela não havia cumprimentado Verônica por simpatia - Deus sabe que simpatia não era seu forte - principalmente em dias assim, mas por aquele pequeno sentimento que não a deixava em paz, que insistia em provocar e desnortear a escrivã.

Desde a noite da festa de Carvana, Verônica havia ficado cada vez mais nervosa na presença de Anita. Uma noite, sem compromisso, foi o que elas combinaram. Mas o combinado não incluía esquecer tudo o que aconteceu, e Anita lembrava de tudo, todas as posições – que foram muitas – e cada suspiro.

Ela sente o café forte descer por sua garganta e senta na cadeira confortável, seus olhos fechando por um segundo, o cérebro fazendo uma prece silenciosa para ter um momento de paz.

Anita não era religiosa, sua vida foi muito difícil para que ela acreditasse em qualquer intervenção divina e sua tese se confirma quando seus olhos assistem Prata e Dante caminharem em direção a sua sala.

- Porra, nem o computador liguei ainda, dá um tempo. – Ela resmunga estressada.

Dante bate levemente em sua porta, ele sabe que ela os viu, mas não entraria em sua sala sem a autorização que vem com um aceno de cabeça da loira.

- Bom dia, delegada. – O investigador diz sério.

Anita consegue ver a noite mal dormida no escuro que se instala abaixo dos olhos azuis do homem, bem como a barba por fazer de Prata também entrega o cansaço.

Teto de VidroOnde histórias criam vida. Descubra agora