"Chega de tentar dissimular e disfarçar e esconder
O que não dá mais pra ocultar
E eu não quero mais calar
Já que o brilho desse olhar foi traidor
E entregou o você tentou conter"O dia após não é nada que Anita Berlinger esperava.
Ela não está vomitando de ressaca, ou nos braços de Verônica, ou mal-humorada no sofá porque bebeu destilado noite passada.
O vento frio que corre invade o sobretudo preto e arrepia sua pele. A loira se encolhe e sente um braço passar por seus ombros.
O céu está cinza, nublado e estranho, tal qual a manhã de Anita.
A sua frente, o caixão com detalhes dourados e em madeira marrom desce lentamente pelo coveiro e seu ajudante. Não há padre, não há flores e nem visitantes.
Não há lágrimas, velório ou tristeza.
Só há Anita, seus óculos escuros e grossos tampando as olheiras da noite sem dormir após ter recebido uma ligação de que sua mãe havia falecido na metade da madrugada. E havia Denise, que acalentava suas costas e havia organizado o enterro.
Anita lhe ligou perto das quatro da manhã, sem saber qual o procedimento de enterrar alguém. Ela já havia ceifado vidas, mas enterrado poucas. Por trás do pedido de ajuda, também existia um pedido silencioso de "por favor, fique ao meu lado, não sei como vou reagir".
E Denise o fez, procurando uma funerária, assinando a papelada, pagando por tudo e ajudando Anita a se vestir naquela manhã.
- Anita? – A morena a chama e a loira vira o rosto para a esquerda, sua atenção saindo do caixão de madeira que começa a sumir 7 palmos abaixo do chão.
- O que? – A loira responde.
- Acabou. – Denise diz e Anita franze a testa. – Você está livre. Acabou.
Berlinger não achou que choraria. Quando recebeu a notícia, sua reação foi nula, assim como quando viu o corpo inerte no caixão antes de ser lacrado. Ela também não havia esboçado reação quando o viu descer pelo buraco entre as outras lápides.
Mas quando Denise lhe diz isso, lágrimas voam dos seus olhos como um rio desaguando no mar. Seus ombros tremelicam e ela tenta segurar os soluços, mas seu peito treme e ela acha que vai sufocar. Ela é embalada pelos braços de sua amiga e funga em seu pescoço, destruindo a camiseta preta da mulher com tudo que sai de seus olhos e encharca o tecido.
Ela não chora assim a anos, é descontrolado e parece que aquilo poderia durar uma semana. Ela não vê a terra ser jogada sobre a mãe, pois Denise a puxa para sair dali.
O coveiro a olha com pena. Uma filha enterrando a mãe, que triste cena. Ele acha que as lágrimas são de lástima.
Mas são de alívio.
Não uma filha enterrando uma mãe, mas uma criança enterrando um trauma.
E desenterrando anos de choro e repreensão ao que sua mãe fez e permitia que outros fizessem com ela.
Ela soluça e lágrimas silenciosas ainda correm de seus olhos quando ela larga o peito de Denise, caminhando de braços dados ao seu lado por entre as lápides até a saída do cemitério silencioso.
A morena abre a porta do carro para Anita, que entra silenciosamente no banco do passageiro do Troller verde musgo. Denise vem logo após, sentando-se no banco do motorista e respirando fundo, antes de ligar o carro para que o aquecedor esquente aquela manhã tão fria em São Paulo.
Anita encara o relento, suas lágrimas já secaram e ela se sente vazia, um gosto metálico na boca por ter mordido o lábio para impedir os soluços até fazê-lo sangrar.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Teto de Vidro
FanfictionApós se envolverem por uma noite, Anita e Verônica prometeram que tudo não passou de uma experiência. Todavia, é difícil resistir a adrenalina e diversão que somente pessoas tão opostas poderiam se provocar. Ao se verem envolvidas em um caso incomu...