Teto de vidro

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"Andei, por tantas ruas e lugares
Passei, observando quase tudo
Mudei, o mundo gira num segundo
Busquei, dentro de mim os meus lares"


Agosto escorreu como uma garrafa de vinho caída no chão. Entre o afastamento de Anita do trabalho para cuidar de Verônica e os procedimentos finais de entrega do inquérito da operação arcabouço, o tempo havia passado em um piscar para todos. O Ministério Público já havia oferecido denúncia e Heloísa, Anita e Dante constavam no rol de testemunhas da audiência marcada para daqui poucos meses.

20 denunciados, 15 testemunhas de acusação e 8 de defesa. Certamente, não teria servidor do Tribunal de São Paulo que não choramingasse ao ver aquele processo.

Já Dante não poderia reclamar, havia caído em paixão pela promotora do caso, que se recusava a sair com ele por não acreditar que policiais poderiam ser fiéis. Ele enchia seu gabinete com flores toda semana, além de enviar livros que Verônica lhe indicava.

Isabel havia terminado o famigerado livro que estava isolada escrevendo, mas continuava a esconder o título e a história de todos, apenas informando que já estava nas mãos de sua editora. Heloísa, após o sucesso da operação, havia conseguido finalmente sua transferência definitiva para o Rio de Janeiro.

E Anita e Verônica?

Bem, o contrato de aluguel do apartamento da escrivã não havia sido renovado, e ela dizia que era pela falta de segurança do prédio, já que todo mundo vivia a aparecer em sua porta após ameaçar o porteiro.

A verdade? Ela já havia acostumado a dormir e acordar ao lado de Anita todos os dias, e apenas o pensamento de estar sozinha em sua casa parecia uma tortura. Já havia se tornado rotina: Anita acordava cedo, ia a academia, fazia o café da manhã e acordava Verônica - que começou a odiar um pouco menos as manhãs depois daquela rotina. Elas estavam sempre procurando restaurantes pela cidade para pequenos encontros, e as tardes vendo as reprises do canal Viva eram religiosas.

Verônica tinha vontade de chorar ao lembrar-se que em poucas semanas elas voltariam a vida de servidoras públicas, em constantes plantões e falta de tempo para realizar todas aquelas atividades que já haviam se acostumado.

Ela sentiria falta também de momentos exatamente como aquele, que estava acontecendo na casa de Anita.

Cervejas e garrafas de vinho cobrem a mesa de centro e a TV está ligada em um jogo de futebol. Prata e Dante se amontoam no sofá principal, engolindo uma pilha de amendoins que deixariam farelos por todo canto. Heloísa está em uma das poltronas do canto, Isabel empoleirada em seu colo, mesmo que houvesse espaço no sofá ao lado de seu irmão. A delegada não se importa, na verdade gosta da sensação reconfortante que o cheiro do shampoo de Isabel traz a ela.

Verônica sorri, notando que finalmente a irmã de Dante havia vencido o comportamento distante de Heloísa. A delegada estava apaixonada, e finalmente parecia estar admitindo isso.

A morena volta para a sala, segurando duas taças de vinho branco. Ela caminha até Anita, que sorri preguiçosa para ela. A loira está sentada no outro par de poltronas da sala, se encostando quase deitada contra o estofado. Verônica entrega uma das taças para a mulher e antes que possa se virar para ir sentar-se ao lado de Dante no sofá, sente seu pulso ser rodeado com delicadeza. A delegada dá um olhar para as próprias pernas cobertas por um short jeans curto, exibindo as coxas bem torneadas, depois olha para Verônica sugestivamente. A morena rola os olhos, mas sente o coração palpitar, aceitando de bom grado sentar-se sobre as pernas da mulher, imitando Isabel que solta uma risadinha ao assistir a cena.

Berlinger beberica a própria taça, e então enfia seu nariz no pescoço de Verônica, ignorando totalmente o jogo na TV. Ela realiza aquela vontade presa no peito desde aquele encontro na casa de Verônica, onde ela desesperadamente teve que segurar o ímpeto de falar para Verônica sentar sobre seu colo.

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