Papai, me empresta o carro

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"Meu único defeito é não ter medo
De fazer o que gosto

Eu só quero um sarro
Meia hora no seu carro (com meu bem) uh uh huh"


O aroma do café recém-preparado paira no ar, enquanto os primeiros policiais do plantão matinal começam a chegar. Nos corredores, os murmúrios dos colegas se misturam ao som dos passos apressados, enquanto a cidade desperta lá fora, o sol invade as persianas antigas e mais um dia no DHPP inicia-se.

No dia anterior, o padrinho de Verônica havia anunciado sua saída do local, bem como a promoção de Anita, em uma reunião íntima no fim da tarde. Anita parecia séria, mas Verônica conseguia ler os resquícios de felicidade em seu trocar de pernas e gesticulação.

A escrivã sabe que agora, se irritar Anita, não terá mais ninguém para protegê-la. Assim como o resto da equipe teme por suas cabeças. Mas um pequeno lapso de fé ainda está aceso no coração da escrivã, a versão que a loira vem demonstrando nos últimos dias não sendo um pesadelo total.

Verônica vive pela esperança e isso a leva até a antiga sala de Carvana.

- Doutora Anita Berlinger, delegada titular. – Verônica lê a placa na porta. – Ficou bonito!

Anita rola os olhos, a escrivã se aproxima brincalhona da mulher que organiza uma pilha de livros em um nicho na parede da antiga sala de Carvana.

- O defunto nem esfriou e você já mudou a sala dele todinha. – Verônica observa, olhando ao redor para as mudanças. Até a luz parece diferente, os móveis de madeira são novos e o computador com duas telas parece novinho em folha.

Um vaso de uma planta em um verde vívido está em um dos cantos da sala e os livros de direito estão por cima da mesa, aos poucos preenchendo a decoração.

- Eu mudei minha sala todinha, você quer dizer, né? – A loira provoca e Verônica dá uma risadinha.

- Falando nisso, preciso arrumar minhas coisas? – A morena pergunta com seriedade e Anita franze o cenho, largando a organização de seus livros e se jogando na cadeira de couro.

- Arrumar suas coisas para que, escrivã? – A delegada questiona entediada.

- Ué, todo mundo sabe que sua primeira ordem como titular seria minha transferência. É senso comum que seu sonho era me mandar para algum departamento na cidade mais fuleira que você achasse em São Paulo. – Verônica explica, tentando esconder uma risadinha.

Anita quer rebater, mas se lhe perguntassem a algumas semanas atrás, ela já havia cogitado enviar Verônica para trabalhar em Araçatuba ou Cubatão. Agora, a escrivã parecia mais interessante próxima a ela.

Não que ela fosse confessar isso para Verônica.

- Eu acho que você acredita que eu penso demais em você. – Seu tom é sarcástico, mas o olhar que se desvia para uma das telas do computador entrega o comportamento errático.

Verônica sorri, pegando o gato no pulo. Ela olha ao redor, a sala de Carvana sendo de divisórias bege e não transparentes, como a maioria dos setores. O homem prezava por privacidade, não era incomum seus encontros com políticos, policiais de alta hierarquia e outros figurões ali naquele lugar. Agora Anita faria esse trabalho.

- Eu vim te dar os parabéns, mas você está toda amarga. Acho melhor eu ir embora. – Ela levanta os braços em rendição. – Acho que Heloísa possa querer minha companhia...

Verônica provoca, no dia anterior, após sair da sala de Heloísa como um cachorrinho que segue sua dona, Anita lhe fez contar cada virgula do que tinha acontecido na sala com Helô. Ela notou o ciúme, mas não comentou, evitando cutucar a onça com vara curta. As pulseiras de ouro grossas tilintavam enquanto Anita dava um discurso sobre ética no local de trabalho e a política de assédio sexual.

Teto de VidroOnde histórias criam vida. Descubra agora