Voltei pra mim

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"Eu tenho o dom de ir além, vou é correr
O que tiver pra ver, eu quero ter
Bem mais que eu tinha e, sem você
Eu vejo tudo tão mais claro"



- Não achei que você fosse esse tipo de cara. – A voz de Anita é rouca – Esses que vão embora de manhã sem avisar.

A loira se sustenta em um dos cotovelos, seu rosto está levemente amassado e os cabelos em desordem, um sorriso leve está em seus lábios. Ela parece serena daquele jeito, Verônica pensa. Sua expressão está limpa da tensão de sempre, ou da maldade que ela geralmente carrega em suas feições.

É cedo da manhã, Verônica acordou com o toque estridente do celular e após o chamado passou a se vestir silenciosamente, mas o sono da loira era fraco e ela havia acordado com o toque do celular, se resignando a fingir que continuava a dormir.

Passando a regata por cima da cabeça, Verônica responde: - Dante me ligou, disse que você falou para me chamar se ele achasse algo que parecesse interessante. – A morena justifica – Então, meio que é culpa sua. – Um sorriso toma seus lábios.

Ela se aproxima de Anita, os olhos verdes estão cristalinos aquela manhã, as pupilas dilatam levemente quando se veem próximas aos castanhos.

Se alguém contasse a Verônica que ela acordaria entrelaçada aos braços da delegada que ela tanto brigava, ela iria imaginar que seria porque elas trocaram socos e acabaram desmaiando uma sobre a outra. Nunca depois de aceitar ir para a casa da loira após o expediente e se afundar em seus lençóis novamente.

Verônica sabe que cedeu rápido demais, que Anita tinha falado meia dúzia de palavras e ela estava dirigindo para o endereço que começava a decorar. Verônica sabia do perigo, que aquilo era errado em mais níveis que apenas duas ex-inimigas cedendo a desejos. Verônica sabia que se entregava demais na cama com a loira, que deixava muitas bobagens escorrerem de seus lábios e que não deveria observar a mulher cair no sono.

Ela sabia de muitas coisas, mas não sabia o que fazer em relação a isso. Se fugia, se ficava.

- Preciso ir. – A morena sussurra.

- Vai, me volte com alguma notícia boa. – Anita responde, sua cabeça ainda apoiada na mão.

Verônica se vê sem saber como encerrar aquela interação. Ela quer falar sobre a noite, quer falar sobre elas, mas sabe que a outra irá dispensá-la e dizer que foi apenas uma coisa de momento e que ela está fazendo alarde demais.

No entanto, ela não segura o impulso de deixar um beijo leve nos lábios de Anita. O tom de despedida naquele ato.

O gosto de saudade também, mas Verônica ainda não compreendia aquele sentimento para dar nome a ele.

- Te vejo mais tarde. – A morena anuncia e deixa a loira.

A cabeça de Anita volta a encontrar o travesseiro macio. Seu coração bate em um movimento estranho, lento e apertado.

Ela e Verônica tomando café da manhã juntas seria estranho e provavelmente uma situação desconfortável, mas ela ainda sente um sentimento conflitante quando vê a morena cruzar a soleira da porta.

Já cruzando as ruas de São Paulo, um sambinha toca na rádio do carro de Verônica e ela deixa os dedos tamborilarem sobre o volante, sua mente voa para os olhos cor de mata que lhe comeram viva noite passada, a música recitando um amor bonito que ela nunca acha que poderá ter.

Ela nunca poderia querer aquela mulher, era furada.

Angustiado, seu interior faz uma prece para que o desejo de ter o corpo esguio em suas mãos suma com o tempo e que não passe disso, desejo.

Teto de VidroOnde histórias criam vida. Descubra agora