Por que a gente é assim?

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"Agora fica comigo
E vê se não desgruda de mim
Vê se ao menos me engole
Mas não me mastiga assim"


O conforto que se propaga pelo ar do apartamento de Anita é estranho. O silêncio do ambiente se funde com o de sua própria cabeça, o cheiro que invade seus sentidos é da mulher que repousa respirando fundo sobre seu colo.

Verônica mal entende porque sente tudo tão intensamente, porque beijar os lábios finos tão próximos parece lhe tirar o rumo e a afundar em águas turvas. Ela coloca a culpa no próprio divórcio, no distanciamento do marido mesmo antes do fim da relação, mas seu coração sabe que não é bem assim.

Ela se nega a ver, uma faixa invisível e grossa sobre seus olhos.

- Tira essa roupa... - Anita pede manhosa, beijando levemente o pescoço da escrivã. Elas estão sobre o sofá da loira, Verônica em seu colo e uma sessão de amassos interrompida. - Eu vou pegar um robe para você ficar mais confortável.

Verônica resmunga, não querendo sair da posição confortável que se instalou. Sua cabeça perdida no pescoço de Anita, seu nariz perdido no cabelo macio e cheiroso, a respiração suave da delegada levantando suavemente seu corpo sempre que ela inspirava. Aquela posição foi um acaso, Verônica se encostou após um beijo faminto que elas deram assim que cruzaram a porta. Agora, ela relutava a sair da posição, que sabia que não teria novamente facilmente.

- Eu deixo você me agarrar durante a noite... – Anita lê seus pensamentos, soltando um risinho com o resmungo que a escrivã dá.

Dando-se por vencida, a morena sai do colo da loira. Anita se inclina, tirando os saltos e os deixando jogados no tapete da sala. Se levantando descalça, ela puxa a morena pela mão e a guia para o quarto espaçoso.

A cama está feita e tudo parece em ordem, diferente da manhã caótica que Denise e Anita deixaram quando saíram. A loira some pelo closet, voltando com um robe de cetim preto em mão, o estendendo para Verônica. A escrivã é deixada sozinha pela loira que fecha a porta do banheiro da suíte atrás de si e aproveita o momento para se livrar das roupas apertadas, quando Anita volta, está em um robe parecido com o de Verônica, mas na cor vermelha.

- Vem cá, seu guarda-roupa não tem outra cor? – Verônica brinca.

Anita ri alto, saindo do quarto em direção a cozinha, a escrivã lhe segue, vendo a mulher abrir a geladeira cinza.

- Uh, entregaram meu mercado, graças a Deus. – Anita parece aliviada. – Não tinha água direito nessa geladeira ontem.

Ela retira uma compota de polpa de tomate, uma caixa de creme de leite de marca italiana e um pacote de massa fresca, depositando tudo sobre o balcão. Verônica observa com curiosidade os produtos, nunca tinha visto metade daquelas marcas.

- Vou fazer massa para gente, estou com fome. – A loira conta, se abaixando para pegar algo no armário debaixo da pia.

- Não sabia que você cozinhava. – A morena comenta, se recostando no balcão, observando a mulher começar a cortar uma cebola.

- Eu me viro. – Anita dá de ombros. – Gosto de cozinhar e ver programas de culinária, me traz paz. Coisa que dificilmente tenho. – A confissão vem em um tom que demonstra que a loira não liga muito para o que disse, sua concentração inteiramente em picar os vegetais.

Verônica observa a cena, a desenvoltura da loira na cozinha lhe impressionando. A imagem é bonita: descalça, pernas desnudas e cabelo preso em um coque malfeito. Ela é rápida e a escrivã logo sente o cheiro bom de cebola sendo refogada na manteiga, panelas caras brilham e ela nota o padrão de cores pasteis nos utensílios do lugar.

Teto de VidroOnde histórias criam vida. Descubra agora