CORAGEM

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Coragem:
firmeza de espírito para enfrentar situação emocional ou moralmente difícil.



Fernanda Bande

Já de volta a São Paulo, encaro da janela a chuva impiedosa que cai, em minha companhia, somente um vinho já quase no fim, dessa vez dispensei qualquer taça, bebendo direto da garrafa, não preciso de formalidades para comigo mesma.

As horas passam inimigas da minha pressa para um um novo dia, encaro em minhas mãos a pequena jóia dentro de uma caixinha preta comprada há pouco. A sensação de nutrir sentimentos por alguém me apavora ao mesmo tempo que me conforta. Encaro o objeto observando o brilho da pequena pedra sobre o anel que vez ou outra entra em contraste com a luz, imagino mil cenários com sua reação, inclusive o de não entregar e aceitar que tudo não passa de um devaneio, porém o tempo eu que eu me escondia atrás do meus medos passara, não sou mais aquela garota do fundamental que sofria por sentir o que sentia e me escondia por vergonha, embora a possibilidade me assuste, sei o que preciso e quero fazer, assim farei.

Não fiz questão nenhuma de conferir as horas, quando tomada por um súbito impulso, pequei a chave do carro e saí de casa, não que eu seja uma romântica incurável, capaz de grandes atos, mas diria que sou alguém que precisa fazer logo algo para que não se arrependa de não ter feito depois, sendo sincera, a possibilidade do fantasma por não ter feito me assombra muito mais do que o medo de ser rejeitada.

Dirijo rapidamente e quase sem cautela alguma pelas ruas movimentadas de São Paulo, o trânsito não ajuda muito, tardando meu grande ato irresponsável mas sendo totalmente irrelevante para fazer com que desista.

Não sei o que dizer, tão pouco como fazer, não é como se eu tivesse feito qualquer coisa do tipo antes, tão pouco escrito um roteiro para seguir, mas já estou me acostumando com a maneira que ela quebra minha vida metódica. Sabia que aquilo seria dar um passo, e não um passo qualquer, um grande passo rumo a algo muito maior, algo que nascera há talvez mais tempo do que fui capaz de contar, algo que quando dei por mim, já existia e que vai além de simples desejo ou vontade.

Depois de alguns sinais ultrapassados e velocidade acima do permitido, finalmente encaro a fachada do prédio de Alane, tomando um último fôlego de coragem antes de pegar a caixinha e me retirar. A chuva me molha quase completamente enquanto aciono a campainha, mas essa é a menor das minhas preocupações. Um senhor me encara com um semblante confuso um pouco ao longe enquanto se dirige até a portaria.

- Boa noite, posso ajudar? - fala embaixo do guarda chuva do outro lado do portão.

- Boa noite, por favor, preciso falar com uma moradora. Alane. Pode chamá-la pra mim? - sinto meu corpo tremer, a essa altura não sei se pelo frio ou por excitação. O senhor assente rapidamente comunicando que vai interfonar me pedindo para entrar logo depois para não ficar na chuva, rapidamente aceito a solicitação. Aperto a caixinha no bolso do meu casaco encharcado e quando aguardo ansiosa sua presença.

- Fernanda? - Após um tempo que mais pareceu séculos finalmente ouço sua voz em minhas costas e me viro rapidamente para encarar sua feição quase que em choque enquanto encara minha imagem, não devo julgá-la pelo choque da cena, não devo estar realmente apresentável no momento, ao contrário dela, que embora esteja mais casual que habitualmente, continua linda.

- Oi - sinto um sorriso idiota, quase satisfeito nascendo em meus lábios - me desculpe aparecer assim, preciso falar com você - seus olhos me encaram confusos enquanto ela se limita a solicitar que suba junto com ela até seu apartamento agradecendo ao simpático senhor que me atendera.

Não me atrevo a soltar uma só palavra, tento montar o monólogo perfeito para introduzir meu motivo, preciso soar convincente o suficiente para vir até aqui no meio da noite sem aviso prévio. Alane rapidamente abre a porta e me convida para entrar, meus olhos rapidamente varrem o ambiente, aconchegante, é incrível como tem um pouco dela em cada pequeno espaço.

- Você está encharcada, vou pegar uma toalha ou você pode pegar um resfriado - diz levemente agoniada como se estivesse perdida na própria casa sem saber o que fazer primeiro, assumo a culpa silenciosamente por saber ser o maior motivo de sua pequena confusão.

- Alane - rapidamente toco em seu braço a fazendo estagnar no meio do caminho - me desculpa por aparecer assim, eu preciso falar com você - meu corpo está quase explodindo em ansiedade.

- Você bebeu? Fernanda, não acredito que bebeu e está dirigindo, sabia que isso é muito perigoso? - praguejo mentalmente por não ter lembrado desse detalhe - Você pode causar um acidente ou se machucar muito - diz sem interromper o sermão, confesso que acho seu tom preocupado literalmente fofo embora tenha consciência que estava certa - Imagina que perigo dirigir nessa chuva, ainda mais essa hora - a interrompo alegando estar bem e fazendo um breve pedido de desculpas.

- Eu precisava te entregar uma coisa, e eu senti que entraria em colapso caso não fizesse isso hoje mesmo - seus olhos agora me encaram confusos, seu silêncio é um sinal mudo para que eu prossiga. Toco novamente a caixinha em meu bolso e retiro o pequeno objeto quadrado. Meus dedos estão levemente trêmulos, me sinto ridícula, mas agora não havia mais volta, eu havia vindo até aqui e me recuso a sair sem cumprir meu objetivo.

Fernanda - Alane balbucia mas rapidamente a corto - Eu imaginei um cenário muito diferente, planejei uma coisa muito melhor, mas eu sou uma covarde, sou uma covarde por achar que uma pessoa como você jamais se apaixonaria por alguém como eu, eu tive questões que mal tratavam minha cabeça, o fato de ser quase dez anos mais velha, ser sua chefe, sou uma covarde por não ter feito isso desde aquela viagem, sou uma covarde por ter comprado esse anel m e ter guardado, sou uma covarde por não ter demonstrado melhor, sou uma covarde porque precisei tomar quase uma garrafa de vinho inteira e bater na sua porta em um dia aleatório pra dizer que eu estou apaixonada, eu não sei como, nem quando aconteceu, eu simplesmente não consigo tirar você da cabeça, e eu daria uma de Adam Sandler e faria de tudo todo dia só pra você lembrar de mim, mas irônica minha covardia também me fez querer fugir e negas meus sentimentos. Mas eu não quero mais negar, não quero mais me reprimir, quero ter coragem, essa coragem que me fez dirigir por quilômetros só pra te perguntar se você quer namorar comigo - só então prendo o fôlego que nem sabia que estava segurando - isso parecia mais romântico na minha cabeça - desculpa, isso parecia muito melhor na minha cabeça.

Vejo uma pequena lágrima escorrendo de seus olhos junto a um sorriso lindo em seus lábios, sua expressão denuncia sua surpresa, mas para meu completo sinto segurança. Me sinto um pouco ridícula por quebrar com tão pouco, por mostrar minhas vulnerabilidades pra alguém, por depois de tanto tempo, finalmente conseguir sentir algo tão bom novamente, me sinto viva. Respiro aliviada quando seus braços envolvem meu pescoço em um abraço cheio de carinho, envolvo sua cintura logo depois logo inalando o cheiro do seu perfume, meu preferido do mundo.

- É claro que eu quero, é o que eu mais quero - suas mãos seguram meu rosto enquanto seus olhos me fitam me passando a certeza de suas palavras, um sorriso rasga meu rosto como uma criança ganhando presente, seus lábios selam os meus, respiro aliviada liberando toda tensão que sentia.

- Você é maluca - diz com um pequeno sorriso logo depois de dar vários beijinhos em lugares aleatórios do meu rosto e pescoço. Logo, sela meus lábios novamente, dessa vez nos permitimos demorar mais com o contato, alí, a maioria dos meus medos se dissipam, finalmente ela era minha.

Embora ainda seja cedo para nomear sentimentos, não havia questões, palavras guardadas ou inseguranças, era um momento pleno onde finalmente colocara tudo pra fora, finalmente tive a coragem que almeijei por dias.


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O Diabo veste Preto (Ferlane)Onde histórias criam vida. Descubra agora