RESILIÊNCIA

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resiliência:
capacidade de se recobrar facilmente ou se adaptar à má sorte ou às mudanças




Alane Dias

Ao sair do prédio, avisto o carro da senhora Fernanda estacionado logo à frente. O veículo totalmente preto e perfeitamente limpo torna possível encarar meu próprio reflexo, super luxuoso e imponente assim como ela, não duvido que esse carro compraria minha casa com todos os meus móveis dentro.

Seu motorista abre a porta para que eu entre assim como fez com ela, logo me acomodo no banco traseiro, ao lado de Fernanda.

Não tenho nem roupa pra andar em um carro desse - penso - meu coração quase saindo pela boca com medo de falar alguma besteira, levei uma coleção de patadas hoje, decidi por fim ficar em silêncio. Minhas mãos chegam à soar frio.

- Raul, me leve aquele restaurante que eu gosto, por favor. - ouço ela falar com o motorista enquanto olha algo em seu celular. Seu motorista é um homem um pouco mais velho, seus cabelos são grisalhos e perfeitamente alinhados.  Devidamente uniformizado com um terno perfeitamente ajustado em seu corpo, como se fosse feito sob medida (não duvido que seja) muito charmoso, parece mais aqueles atores de Hollywood. Até é o motorista dela é chique - penso.

- Pois não - responde e dá partida no carro.

Após alguns minutos chegamos ao tal restaurante. Parecia ser francês, encaro a fachada minimalista sem deixar de ser elegante.

- MEU.DEUS. - é tudo que consigo pensar ao olhar para o estabelecimento.

O motorista logo se retira e abre a porta para Fernanda e eu respectivamente.

Me sinto um cachorrinho de madame acompanhando a senhora Fernanda até o interior do local.

Logo uma moça super educada vem nos recepcionar e nos oferece uma das melhores mesas do lugar. Não sou capaz de dizer uma palavra, já estava suando frio mesmo com o ambiente climatizado.
O lugar estava super tranquilo, uma música ambiente agradável tocava enquanto algumas pessoas conversavam e comiam, claro, todos muito bem vestidos, olho para mim mesma temendo aparentar estar mal arrumada para o local quando algumas mulheres olham com desdém para mim. Odeio isso.

- com licença, boa tarde senhoritas, sejam muito bem-vindas, o menu, fiquem à vontade. - diz gentilmente um garçom, qualquer coisa estarei a disposição.

Fernanda agradece educadamente. Me surpreendo.

pelo visto ela não é arrogante com todo mundo, quem diria. - penso.

Olho alguns preços e meu queixo quase cai. Quem paga tão caro por um vinho? - me questiono ainda incrédula.

- Não precisa ter vergonha de pedir alguma coisa, eu vou pagar - diz ainda sem olhar para mim, como se tivesse lido meus pensamentos. Sinto minhas bochechas corando.

Sorrio amarelo, cheia de vergonha por ter sido descoberta mesmo antes de tentar bolar uma desculpa convincente - Nesse caso vou deixar que a senhora escolha os pratos, acho que conhece melhor que eu - sorrio amarelo.

logo ela chama o garçom novamente e pede dois pratos com um nome difícil em um francês pronunciado perfeitamente por ela, o rapaz por sua vez indica um vinho para acompanhar se retirando logo após ela aceitar a sugestão.

Seus olhos permanecem a maior parte do tempo em seu celular, Fernanda parece o tipo de pessoa que nunca desliga, pelo contrário, está sempre resolvendo algum assunto que parece deveras importante.

- Vou precisar que mude para minha sala por enquanto, preciso de você perto sempre que for necessário nos primeiros dias, depois providenciarei uma sala próxima à minha para você se instalar. - sua voz quebra o silêncio - Também vou providenciar um Iped pra você trabalhar, me dá agonia você andando de um lado pra outro com aquela agenda velha.

Eu gosto daquela agenda - penso - me limito apenas a concordar.

- Também vou precisar de um relatório de cada setor, o mais rápido possível - consegue providenciar? - respondo prontamente em positivo.

- acredito que vamos ter que trabalhar alguns de semana para deixar tudo em ordem a tempo dos novos investidores chegarem de Miami, se interessaram depois de conhecer a empresa que eu comandava lá. O plano é fechar o negócio. Algum problema para a senhorita? - fala tudo sem direcionar os olhos para mim.

- Não senhora, tudo bem. Farei o que for necessário - estou quase chorando por dentro, lá se foi meu esperado descanso do fim de semana.

- Perfeito - responde sucinta.

Logo depois que pratos chegaram, estavam ótimos diga-se de passagem, nunca comi tão bem. Era uma massa que, assim como o garçom sugeriu, combinou perfeitamente com o vinho branco. Discutimos mais alguns detalhes sobre minhas próximas "missões" se posso assim dizer. Ela pagou a conta logo depois e saímos.

- Um pouco petulante aquele contador, sabe há quanto tempo ele está na empresa? - pergunta enquanto nos dirigimos ao carro que nos espera logo à frente.

- Um pouco mais de um ano, senhora. O próprio Rodrigo o contatou. Era o braço direito dele.

- Ela parece pensar por um instante - Ele é seu namorado? - olha pra mim pela primeira vez desde que saímos da empresa. Me sinto intimidada.

- O quê? N-não, senhora. De jeito nenhum. Somos apenas colegas de trabalho. Nossa relação é estritamente profissional, nunca se quer saímos juntos - completo rapidamente.

- Bom, desde que não ultrapasse os limites da empresa, o que você faz na sua vida pessoal pouco me interessa - responde secamente e entra no carro. Tava demorando. Mais uma pra minha coleção de patadas da chefe.

.

Olho para a tela do computador, já passa das 19h. Fernanda parece concentrada o bastante em algumas planilhas.

Depois que voltamos do almoço ela pediu que colocassem outra mesa em sua sala como havia comunicado que faria. Trabalhamos a tarde toda em completo silêncio.

- Bom, por hoje é só. Amanhã revisaremos os últimos detalhes. - diz se levantando e pegando sua bolsa.

Comemoro internamente sentindo minha lombar reclamar. Passei tanto tempo nessa cadeira que minha bunda está quadrada.

- Boa noite, Senhora. Até amanhã - digo educadamente, mas ela ignora.

Deus quando fez essa mulher esqueceu de colocar gentileza e educação?

- Não esqueça de organizar tudo antes de sair - diz antes de se retirar.

- Sim, senhora. Bufo irritada. Recolho todas as minhas coisas e me retiro.

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Depois de um banho quente e uma boa comida finalmente posso deitar na minha amada cama e descansar. Que saudade eu sinto dessa cama quando estou no trabalho.

Sinto minhas costas reclamarem assim que deito de costas no colchão macio.

Encaro a foto da minha família na mesa de cabeceira do lado direito como de costume, penso se minha mãe se sente orgulhosa de mim.

- Que saudade - não a vejo há meses, deixar o Pará e vim para São Paulo tentar uma vida melhor foi uma das coisas mais difíceis que já precisei fazer. Quem sabe essa promoção é a oportunidade perfeita pra fazer com que tudo melhore e consiga trazer minha família pra cá. Por isso tenho que dar o melhor de mim mesmo que seja cansativo ou difícil, pensar assim me dar forças para cumprir meus objetivos.

Deixo um beijo no porta retrato e abraço devolvendo logo depois para o móvel.

Respiro fundo e apago a luz do abajur. Bocejo em sinal de cansaço. Outro dia cheio me espera.

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:)


O Diabo veste Preto (Ferlane)Onde histórias criam vida. Descubra agora